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Lideranças do Cordão de Ouro teriam cometido abusos contra crianças e adolescentes desde a década de 1970, segundo relatos e informações de promotora de justiça do Ceará.
1 de junho de 2021
14:59
Alice Maciel, Andrea DiP, Mariama Correia
 
Depoimentos apontam que professores se aproveitavam da confiança dos alunos para praticar abusos 
Crianças e adolescentes seriam forçadas a fazer sexo com mestres em troca de viagens 
Ministério Público do Ceará abriu investigação contra lideranças do grupo Cordão de Ouro por denúncias de abuso e estupro de vulnerável 
Mestres de um dos maiores grupos de capoeira do país, o Cordão de Ouro, são denunciados por ao menos 15 pessoas de abusar sexualmente de crianças e adolescentes entre 11 e 18 anos. A Agência Pública teve acesso exclusivo a procedimentos criminais e conversou com homens e mulheres que teriam presenciado ou sofrido abusos em Fortaleza (CE), São Paulo (SP) e Taubaté (SP). 
 
O grupo Cordão de Ouro tem academias de capoeira credenciadas em mais de 30 países. 
 
Relatos e documentos colhidos pela reportagem revelam que mestres teriam se aproveitado da vulnerabilidade, admiração e confiança de seus alunos, que os viam como ídolos ou até como figuras paternas, para praticar violências sexuais. Mensagens e áudios aos quais tivemos acesso indicam que alguns casos teriam sido acobertados por membros da direção do grupo. A Pública teve acesso também a um vídeo no qual aparece um dos mestres se masturbando em um ônibus. 
 
Desde o ano passado, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) investiga lideranças do Cordão de Ouro por denúncias de abusos e estupro de vulnerável – como a lei brasileira tipifica a relação sexual com menores de 14 anos. De acordo com a promotora de justiça do MPCE Joseana França, cinco vítimas fizeram acusações “contra vários mestres”. Os nomes de todos os envolvidos não foram divulgados pelo órgão para não comprometer as investigações, mas o fundador do grupo, Reinaldo Ramos Suassuna, mais conhecido como mestre Suassuna, estaria entre os acusados, segundo vítimas que relataram à Pública ter prestado depoimento. 
 
 
 
 

 

Essa foi a última vídeo aula de nossa escola  Découvrez notre chaîne Youtube les Archives Do seu Guaracy 

   Dessa vez foi com professor Amarelo do coletivo Terrerú/BH. Agradecemos a nossa ancestralidade, na presença sonora e virtual dos mestres Lua Rasta e Ivan de Santa Amaro. Gratidão a todos os alunos e convidados, que por amor a capoeira participam de uma aula como essa, provando mais uma vez que os desafios são muitos, maior ainda é nossa vontade em manter essa arte viva e valorizando quem realmente tem valor. Parabéns Amarelo, saúde paz e muito axé para vida.

Mestre Guará

 

Ele está sempre na luta para não deixar faltar nada para os mais antigos. Tô ligado nele já faz tempo ! Chegou a hora de dar uma força para nosso camarada Amarelo. Dia 16 tem aula no Zoom . Você estará ajudando um capoeira super talentosa là de BH que está nadando contra a correnteza a muito tempo. 

Temos que parar de valorizar pessoas que só se apropriam de nossa arte . Já passou da hora de termos uma nova consciência. Vamos dar valor a quem realmente tem valor .

Axé Mestre Guará.

 

Carioca de 1º/10/1952, faço poesias desde os 15 anos e contos & crônicas a partir de l988, tendo publicado mais de 50 textos nos jornais de Belém e Ananindeua, cidade vizinha. Membro da UBT-Belém (União Bras. de Trovadores) e da ALA-A (Assoc. de Letras e Artes de Ananindeua) fui vencedor em 9 concursos nacionais de poesia/contos, tenho 51 Menções Honrosas em eventos literários de vinte cidades em 11 Estados e 295 textos em jornais culturais e revistas de 52 cidades em 9 Estados. Estou em 14 coletâneas literárias de 4 Estados, principalmente em obras da IGAÇABA Prod. Culturais, da cidade de Roque Gonzales/RS. Sou compositor de MPB, sambas e rocks sem maiores méritos, fazendo também versões de hits de grandes bandas roqueiras. Lancei artesanalmente (Edição do Autor, em xerox) PALAVRAS AO VENTO, livreto de poemas & canções com mais de 80 cópias, em 4/1986; coordenei a coletânea com 16 poetas de Vigia/PA, "Livrencontro", em fev./1987, com mais de 200 cópias e editei "QUASE NADA...""miscelânea" com 60 exemplares, em 9/1988.

A partir de dez.1999 produzi o folheto "Jardim de Trovas" nº 0 e 1 (este em nov./2000) e o nº 2, hoje com mais de 500 cópias já enviadas para todo o país, desde junho/2002. Entre 1990/92 organizei shows anuais em teatros de Belém com artistas de Ananindeua, além de fundar (em 1988, com meu irmão gêmeo Renato) e presidir o CCCP - Centro Cultural de Capoeira do Pará, controverso marco extinto em 6/1992, no qual expedi mais de 300 ofícios diversos defendendo uma visão artítisca dessa luta. Aguardo a futura (?!) publicação de "QUASE NADA...", estreando como contista e registro as minhas memórias em "AQUELAS TARDES TRISTES...", com cenas da infância no Sul (PR/SC) e "momentos" amazônicos.
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"LIVES" - A MODA DA VEZ ! 
"Na Era da Comunicação instantânea tudo é irrelevante", escreveu alguém, não recordo o nome. Vou além... uma LIVE se justifica se propõe ALGO NOVO, porém se vai repetir o que outros tantos já disseram, a razão de existir é quase nenhuma ! O motivo principal para as LIVES foi o de dar espaço e VOZ a cantores e músicos, sem palco nem shows devido à "gripezinha chinesa". Pessoas do teatro, escritores, fotógrafos, pintores, até as Escolas "embarcaram" na boa idéia. Essas apresentações artísticas são "LIVES" durante o exato tempo em que permanecem "no ar", digo, NA TELA... após isso se tornam VÍDEOS COMUNS, iguaizinhos aos demais, gravados anos antes, meio século até. Ora, porque não se fazer tal entrevista sem tanta urgência, numa residência com 3 ou 4 pessoas, SEM PRESSA e depois editá-la de modo profissional ? 
 
Assisti "meia LIVE" -- uns 20 minutos dela se tanto -- por sugestão de amigo Mestre "dans la France" -- esta do angoleiro e escritor Augusto Leal, aqui de Belém. Como não sei em que nível êle se insere como "capoeira", presumo que o convite para a tal LIVE tenha sido em razão de seus escritos... mas falou sem lhe questionarem coisa alguma, a "porta do Paraíso"!. Mestre "Laíca", presidente da FEPAC, em Belém, declara que é preciso "jogo de cintura" para sair-se bem de perguntas incômodas. Então, estou "lascado"... não tenho a menor paciência para provocações, em LIVES ou fora delas ! Por falar nisso, há bate-boca em LIVES ? (Menos de sertanejos, é claro !) 
Vi e não gostei da tal LIVE do rapaz da UFPA... os apresentadores, muito simpáticos, gastaram 10 minutos em elogios mútuos e abraços para amigos, isso tudo GRAVADO para a posteridade. Onde é que nós estamos ?! Iniciem sua transmissão 15 minutos antes da hora oficial,"troquem figurinhas", cumprimentem mestres importantes e NA HORA MARCADA será iniciado o debate real. Ficamos "segurando vela" no que seria uma abordagem expressiva e virou "lançamento de confete" ! 
 
Como NADA me agrada, me incomoda nessas LIVES ver os entrevistados "olhando para baixo" o tempo inteiro, mais parecem réus condenados. Façam-me uma gentileza: ponham seus notebooks na altura do pescoço, assim a microcâmera ficará paralela aos olhos do palestrante e nós, espectadores, sem a sensação de que o depoente "está mentindo". Outra CHATICE: tela dividida ! Nos games, existe a escolha pela "tela cheia", talvez haja essa opção na LIVE. Nada é tão irritante como o sujeito "do lado" ficar mexendo em livros ou comendo biscoito enquanto o outro expõe seu pensamento.
Nos tempos de rádio-amador havia a expressão CÂMBIO, que informava ao interlocutor que o anterior findara sua opinião... por conseguinte não se falava ao mesmo tempo e nem havia aquele silêncio constrangedor ! Enfim, para não ficar "o NÃO-DITO pelo dito" (o povo inverte a expressão) declaro novamente que irei fazer a tal LIVE... só não sei dizer quando !
 
Meu amigo "parisiense" estipulou o tempo dessa futura LIVE em 90 minutos... duvido que eu tenha assunto para sustentar metade desse tempo. E vou falar de procedimentos antigos de uma região restrita (Belém / Ananindeua), isso porque deixei de acompanhar a Capoeira após 1993/94, quando meu irmão foi quase morto a pauladas -- num Centro dito Comunitário daqui do bairro -- tentando corrigir o comportamento de um mestre local, "rei da Angola". (?!) Ora, que interesse pode haver em tempos tão antigos ?! Ou, ainda, em época mais remota, os anos 70 no Rio, na Capoeira do Grupo Senzala, que foi só o que conheci ? (Visitei um Batizado de mestre "Pai de Santo" na Zona Norte mas de nada lembro, nem do bairro.)
TUDO o que vou falar já ESTÁ ESCRITO em meus textos postados no RECANTO DAS LETRAS, porém como o "capoeira" não gosta de ler, vamos à LIVE ! Questionei amigos sobre a utilidade das LIVES, a funcionalidade dela e já recebi resposta de alguns, que reproduzo neste artigo:
mestre "LAÍCA" (Luiz Nunes) - "Acha o encontro virtual mais prático do que o presencial, é muito útil e a experiência das 3 ou 4 LIVES que fez foi satisfatória"! Deixou de comentar que 1) poucos "capoeiras" têm PC, e 2) sem experiência prévia de como acessar a LIVE, o resultado fica prejudicado. 
mestre FERNANDO RABELO - "Não leva muito a sério, acha a LIVE "meio conversa fiada" (traduzindo, "fofoca") mas certamente com as pessoas certas êle faria uma, embora não se veja tão conhecedor da Capoeira a ponto de "discursar" !
 
Supuz que o contramestre SAN, do Grupo MUZENZA / Belém, jovem mestre (vai por minha conta) afeito às Redes Sociais, devia usar com frequência tal prática, mas me enganei. A meu ver, LIVE é uma "conversa de celular", embora mais restrita em termos de movimento físico, deslocamento. Seguem abaixo outros depoimentos, me enviados via Messenger:
c/m "SAN" - (terça, 4/maio, 19,02hs) "Já participei, no caso como entrevistado, já assisti várias e aprendi na maioria delas, algumas não foram proveitosas".
profa "ANGEL" (Cyntia Lobato) - LIVE É UMA FERRAMENTA excelente nos dias q vivemos. É cansativo para quem participa qdo  não há um bom intermediador, é como uma Roda, se não tiver comando... já viu ! (fui) Apenas expectadora. Assisti as abertas e as com investimento ! (Ela comenta que, no Grupo onde está, o mestre sempre faz LIVES, tanto para conversas quanto para aulas.) 
mestre DILSON BRITO - "Assisto às da Faculdade, são muito úteis, proveitosas... levanta-se a mão (?!) e faz-se a pergunta. Também vi LIVES dos mestres Tucano Preto, Sabiá e outros mais. Aprende-se muito"", afirma êle. 
mestre "GUARÁ" (ECAP / Guaracy P. Conceição) -  "Live nesse momento de crise, nos traz a possibilidade de entrar na roda de capoeira de maneira virtual. Cada um com sua experiência, sua arte e suas verdades . Lembrando sempre que na roda de capoeira, como na roda da vida . Cair e levantar faz parte do jogo. Nossa mestra Beth Carvalho nós trás essa reflexão em sua música Volta por Cima “ Levanta sacode a poeira e dá a volta por cima". (via Messenger)
O escritor e crítico literário TOM FARIAS (RJ) me traz o depoimento mais longo, minuto e meio, embora conciso: "As LIVES estão muito pulverizadas (?!), mas atingem um grande público de várias classes sociais, sobre os mais diversos temas e ENSINAM realmente as pessoas. É uma ferramenta que veio para ficar, MUITO ÚTIL mesmo"! (grifos meus)
Portanto, as opiniões SÃO A FAVOR dessa modalidade... só me resta realizar a minha, esperando que "minha vidraça" seja à prova de "pedras" !
 
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  "CADÊ... IDALINA" ?! 
"Ao ver IDALINA, foi como se 
tivesse achado uma flor em 
meio a um charco." (pag. 129)
JORGE AMADO - in "O ABC 
de Castro Alves", ed. Record.
 
Estava eu a procurar a obra de De Campos Ribeiro, (a fim de reproduzí-la na Internet) um colorido retrato da "Gostosa Belém de Outrora", aliás título do livro, quando me deparei com este de Jorge Amado, que supuz ser apenas sobre a poesia do combativo vate da LIBERDADE, o nome maior da luta por ela. Com o Destino atuando a meu favor, claro que eu iria abrí-lo justamente numa página falando de uma... IDALINA ! Um poeta BAIANO amara uma certa Idalina, afirmava a biografia (escrita em 1941), e um escritor baianíssimo -- melhor, pra mim, que o carioca Machado de Assis -- "ressuscitava" a tal Idalina, essa DE RECIFE, de um bairro de nome Santo Amaro... definitivamente, não há coincidências na Vida ! 
IDALINA, sonoro nome, é conhecida pelos "capoeiras", os mais antigos pelo menos, está nos versos dos cantos -- os "corridos" e "chulas" da Capoeira -- e num dos LPs mais expressivos dela, o de Camafeu de Oxóssi, pouco visto e menos ouvido, meio lado de "reportagens" da vida do povo, com seus rebocadores, lanchas verdes, o "HUMAITÁ" -- seria um navio, de marujos "capoeiras"? -- "falando" de fazendas, Catarinas, Idalinas. Insisto em afirmar que, junto ao Cordel e repentes, o canto na Capoeira era/foi o "jornal do sertão", personagens e fatos citados nele existiram, aconteceram. Podem nem ter sido presenciados pelo autor da "chula", mas êle a ouviu em algum lugar. Por isso, prestem atenção ao que cantam, vocês estão REPASSANDO História ! 
Quais as chances dessa IDALINA ser a Idalina que motivou a criação de um toque de berimbau, dizem que por mestre "Bimba" ?! De ser ela a musa citada por Camafeu de Oxóssi ?!
-- "Metade, talvez menos" !, diria a maioria. Confio no Destino, meu sétimo sentido "grita" que é ela, só que a jovem "de má fama" e que nenhuma biografia "séria" sobre Castro Alves sequer citou tinha 18 anos em 1864 -- quando o condor da Liberdade a conheceu -- e estaria com uns 70 anos quando o menino Manoel a teria visto, se é que a conheceu ! Jorge Amado não informa se o primeiro amor de tantos (e tantas !) que Castro Alves teve em sua breve vida seguiu com êle, de Recife a Salvador, talvez sim, mas êle a eternizou em alguns de seus poemas. Porque Castro Alves estava em Recife não se sabe; mas segundo Jorge Amado, escreveu no colo da Negra amada os primeiros grandes poemas que o consagrariam, recitados sob uma chuva de aplausos, no Teatro São João, de Salvador.
"Asilo de amor e poesia", escreve J. Amado, "a casa da Rua Lima" e cita Pedro Calmon em seguida... "IDALINA lhe é de resto providencial". (pag. 130) Mas Idalina sabia que o amor maior de Antônio C. Alves era a POESIA e "num Recife sem escândalos, Castro Alves era o escândalo, vivendo publicamente com uma mulher sem nome e sem honra". (pag. 134) A jovem negra deixou partir para Salvador seu único amor e voltou à desgraça em que vivera ! 
Ainda que mestre "Bimba" não a tivesse conhecido, sua homenagem à pessoa com tal nome nos remete ao amor maior de Castro Alves, disso não tenho dúvida ! As "chulas" contam histórias, algumas belas, trágicas outras ! "Idalina está me chamando... / Idalina tem o costume / de chamar e sair andando" ! 
    "NATO" AZEVEDO (em 14/maio 2021, 6hs)
OBS: CASTRO ALVES ligado à Capoeira... será possível ? Seu tio João José Alves, além de alferes, era o desordeiro mais famoso da capital, unido a "capoeiras" e à ralé, fizera deles um "batalhão de vagabundos" que acolhiam seu chamado. (pag. 56) 
EM TEMPO: este livro SOBRE A POESIA de Castro Alves foi proibido (e recolhido das bancas) pela DITADURA de Getúlio Vargas -- o "Bolsonaro" da época -- pois seu autor era... COMUNISTA ! (em 4-5/maio 2021)
OBS: faltou REVISAR, confira o texto certo no RECANTO DAS LETRAS.
 
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Uniāo internacional da capoeira em "evolução" preservando sua essência. Venham cohnecer, para entender o processo de formação da UNICEPE É um movimento de união das duas
vertentes, com base no respeito e na tolerância . 
 
 
Processo de formação vertente angola :
 
 
 
 
Eu sou porque nós somos !
 
Filhos de Angola 
Berlin 
 
Escola de Capoeira Angola de Paris 
 
Capoeira Camayê 
Paris
 
Escola Mutumbo de Capoeira Angola
São Paulo 

 

Terreiro Original de Capoeira Angola 
São Paulo
 
 
 
 
 
 
 

BEM-VINDO A CAPOEIRAHISTORY.COM,UM WEBSITE DEDICADO À HISTÓRIA DA CAPOEIRA.

O nosso objetivo é provê-lo de informação séria, apoiada em fontes seguras e pesquisa. O crescimento fenomenal da capoeira pelo mundo afora criou a necessidade de mais informação fidedigna sobre sua história e suas tradições. A internet nos favorece com recursos fantásticos. Ao mesmo tempo, induz a produção e facilita a circulação de fake news. Se, de um lado, as tradições da capoeira fazem parte do domínio público e particularmente capoeiristas deveriam ter acesso a elas, pelo outro, não aceitamos que o trabalho de artistas vivos seja reproduzido sem seu consentimento, dificultando que vivam de sua arte. Por essa razão, cremos que a transparência é importante. Almejamos providenciar referências às fontes que usamos, com autorizações onde for necessário. Estamos pesquisando em bibliotecas e arquivos e criando recursos novos, ao entrevistar mestres com experiência e conhecimentos significativos sobre a história da capoeira. Queremos também dispor de um espaço para trabalhos criativos relacionados à capoeira.

Acreditamos que o conhecimento da rica história da capoeira pode contribuir para a discussão sobre o seu papel no mundo contemporâneo. Esperamos estar em colaboração com outros pesquisadores, mestres, grupos e websites que compartilhem esses princípios. O foco principal do site será sobre a história da capoeira no Rio de Janeiro, 1948-82. Esse período foi essencial para a formação da capoeira como ela é jogada ao redor do mundo hoje, no entanto, sem receber até agora a atenção que merece.

 

O PROJETO

A capoeira é documentada no Rio de Janeiro desde o início do século XIX. Desenvolvida por africanos e crioulos escravizados, a capoeira teve sua prática estigmatizada pelas autoridades ainda no Brasil colonial. A formação de maltas e seu envolvimento com os partidos políticos do Império também provocaram uma onda de repressão no início da Primeira República, resultando na quase extinção da capoeira no Rio de Janeiro. A arte sobreviveu melhor em outros estados, em particular no Nordeste. A partir da década de 1930, os estilos Regional e Angola, desenvolvidos na Bahia, foram responsáveis pela modernização da capoeira, chegando ao Sudeste trazidos por migrantes baianos, a partir da década de 1950. E foi aqui, no Sudeste, que se desenvolveu então o estilo com mais adeptos atualmente, no Brasil e no mundo, a chamada Capoeira Contemporânea. Essa denominação de uso corrente tem seus problemas, devido à variedade de estilos que poderiam ser considerados como capoeira “contemporânea”, desde a “Angola contemporânea” até a capoeira praticada pelos adeptos do MMA, passando pelo estilos consagrados dos grandes grupos que se originaram no Rio de Janeiro.

Este projeto procura entender melhor a emergência da “Capoeira Contemporânea” no Rio de Janeiro pesquisando e reunindo material de várias fontes: história oral, arquivos e documentos doados. Valorizando a oralidade característica da arte, equipe do projeto está realizando entrevistas com mestres de capoeira da primeira e segunda gerações, que foram responsáveis pelo desenvolvimento e expansão da capoeira durante os anos 1950-70 no Rio de Janeiro, seja no Centro e na Zona Sul, ou nos subúrbios e nas áreas mais periféricas. O projeto está coletando material em arquivos para complementar esses depoimentos e ainda conta com a ajuda dos mestres, que estão disponibilizando fotos e documentos de seus acervos pessoais. Com a ajuda de alguns mestres de renome que aceitaram ser consultores do projeto , vamos tentar mobilizar a comunidade de capoeiristas para que colaborem na doação ou empréstimo de materiais, como entrevistas antigas e fotografias.

Todo o material será arquivado em formato digital no Laboratório de História Oral e Imagem (LABHOI) da Universidade Federal Fluminense (Niterói, RJ) e na Universidade de Essex, Inglaterra. Dada a idade avançada dos pioneiros da primeira geração que ainda vivem e a falta de um centro de referência sobre capoeira na atualidade, a proposta é constituir uma base de dados sobre a história da Capoeira Contemporânea no Rio de Janeiro que permita resgatar essa memória e devolvê-la aos praticantes e outros grupos interessados. O objetivo é assim contribuir para a revalorização da capoeira e ressaltar sua contribuição para a cultura da cidade e o desenvolvimento dos estilos responsáveis pela sua globalização.

Os resultados da pesquisa e as contribuições dos consultores serão disponibilizados no website do projeto. Caso queira contribuir com fotos e arquivos audiovisuais dos anos 1948-82, por favor, entre em contato escrevendo para o e-mail capoeirahistory arroba gmail.com.

 

 


Normalmente eu passaria longe de questões que dizem respeito à Capoeira mas, tendo um irmão em casa -- que ainda se envolve com ela -- me vejo obrigado a partilhar vez ou outra imagens e sons. Vai daí que, numa curva do Destino, 'Messiê Polinô" nos enviou da gélida Paris vários CDs de seu belo grupo de Capoeira Angola, ou "Angolá" em bom francês.
O mestre ex-"Guará", hoje "Guaraminfô", explana em seu (suponho) primeiro trabalho um pouco de sua extensa carreira de mais de 20 ANOS em terras napoleônicas e abre o CD com uma faixa de agradecimento a todos os que o ajudaram a trilhar o duro caminho de ensino (e de prática) dessa tri-secular dança-luta.

Discursos ao som de berimbaus são raros em discos/CDs de Capoeira, o mais famoso -- ou mais conhecido, pelo menos -- está num antigo LP dos mestres Natanael e Limão. Geralmente as falas individualizam de tal forma a gravação que o disco inteiro fica como marco de um período ou época e vai perdendo a importância (ou valor) ao longo do Tempo, senhor e algoz da Vida de cada ser vivente.
Mestre "Guará" dá uma rasteira nesse perigo, ao expor seu coração e dirigir a mensagem a cada aluno, os presentes naquele momento mágico e os futuros.

E vamos ao disquinho, CD no jargão moderno. Capa impecável, quase desenhada, papelão envernizado no lugar do plástico frio, o símbolo circular em amarelo vivo no centro de 4 minifotos, diagramação excelente. Em 1994 escrevi --como parte de extenso estudo sobre as origens e os destinos da Capoeira da época -- que símbolos redondos eram um dos vários"problemas" da Capoeira, com excesso de texto dentro deles e imagens pouco visíveis. Infelizmente, continuam raros o Grupos (e Associações) que conseguiram fugir da "mesmice" do circulo, talvez a simbolizar a Roda, "único lugar onde a Capoeira existe realmente", na definição singular de Nestor Capoeira. 

"VADIANDO A MELODIA" é uma expressão curiosa e criativa, belo titulo a enfeitar um CD que surpreende até mesmo quem já ouviu 30 ou 50 deles. É comum os Grupos atuais produzirem meia dúzia de CDs, mais como afirmação de poder (?!) do que pretensão de exibir obras consistentes e de valor poético.
Esse CD de estréia do grupo ECAP -Escola de Capoeira Angola de Paris, hoje espraiando-se por outras cidades, foi muito feliz tanto na escolha do repertório -- nem sei se a expressão cabe no mundo do Folclore -- antigo e tradicional, como na forma em que se registrou o evento. 'Vadiando" com prazer e competência por "chulas" e "corridos" de domínio público, já "abandonados" por boa parte dos Grupos modernos, o CD se insere no minúsculo filão das obras que vieram para ficar. 

No registro digital há um côro afinado e atento, um berimbau "gunga" de encher os olhos (e os ouvidos), pandeiro e atabaque que não "atropelam" o ritmo e, como novidade, "segunda voz" em quase todas as respostas... para minha surpresa canto "em terça" numa das faixas e até contracanto, quando a "segunda voz" repete em seguida o canto principal. Enfim, um raro show de musicalidade ímpar !

É de se supor que o técnico de som usou microfones cruzados (cardióides omnidirecionais) acima do Grupo cantante. Isso favorece um registro total, amplo, mas em alguns momentos prejudica a performance do cantor principal que, se movimentando, torna pouco audíveis alguns trechos das faixas. Fora isso, apresentação impecável de todos num CD para ser ouvido mais do que guardado, isolando-se -- com os LPs de mestre Suassuna, o do Grupo ZAMBO do desconhecido Onias "Comenda", os discos dos mestres Natanael e Limão e o do inesquecível Camafeu de Oxóssi -- no estreito universo dos registros que fizeram história no mundo da Capoeiragem. Parabéns,mestre "Guará"! YÊ, camará!
'NATO" AZEVEDO


"Não queremos a exposição... Capoeira
é folclore BAIANO"! (diretora de EP no
bairro, em 1990, recusando 32 painéis
de fotos. Fizemos na rua, em frente.)

"Adeus, Corina, dam-dam... / vou-me embora,
quem me leva?! / (...) Levo penas e saudades, 
/ coração para te amar"! -- mestre CAMAFEU
DE OXÓSSI, 1968, num LP inesquecível.

Se eu não vou mais até a Capoeira -- por vontade própria ou mero capricho -- coube ao Destino trazê-la à minha porta. Eis que me chega às mãos em um microcartão de memória mas de 70 "takes" atuais da Capoeira Angola praticada em Paris e outras cidades da Europa. O "jogo de angola", à primeira vista, nos parece uma prática bastante repetitiva... só com o tempo se percebe as "nuances" ocorridas na "dança" e o grau de criatividade instantânea de cada praticante. Ver e saber que a Capoeira tradicional vem tendo um espaço seleto e cativo nas terras do "Rei-Sol" é altamente encorajador. O "jogo de angola" é o que mais "aproxima" África e Brasil, pela manutenção das raízes milenares, já que a ex-Luta Baiana -- desde sua criação -- "encampou" tantas práticas externas que quase perdeu a essência africana dos que a referendaram como prática.
Aliás, Rugendas (ou Debret?) num quadro magistral de 1800 e pouco eternizou a principal "diferença" entre elas: a luta contra a dança! Assistir dezenas de jovens alunos absolutamente tranquilos durante a prática, sem ansiedade visível, sem a beligerância típica dos ambientes nacionais -- sem "Rambos" nem Tarzans de músculos à mostra e prepotência no olhar -- me dá uma satisfação incrível. A Capoeira mudou, digo melhor, voltou aos seus primórdios, ais dias de Roda na frente das Igrejas centenárias, no cais de portos e nas areias das praias vazias, sábados de tardezinha, pouca gente e muito "ashé".

Se mestre "Guará" me permite um "aparte", eu diria que seus jovens alunos deveriam conhecer "o outro lado do muro". Estar (bem) preparado como angoleiro pode não ser suficiente para um futuro embate com algum "Regional" sedento de sangue. Por outro lado, sendo felizes no estilo Angola não têm porque se interessar pela prática "oposta". 

Mestre "Guará" abre os registros de sua atuação na França com uma dedicatória (de 17 minutos) que muito nos envaidece. Nos mostra a mais recente obra de André Lacè, a meu ver um dos pesquisadores mais completos do país, apesar de uma ou outra incorreção, segundo soube, o que não invalida de forma alguma o seu excelente trabalho. Espero que mestre "Guaraminfô" tenha coragem ou disposição para ler inteiro um calhamaço de mais de 400 páginas. Falta somente mestre CÉSAR - da USP, se vivo fôr -- se manifestar, tem um acervo de músicas SEM IGUAL no país inteiro, além de textos e livros diversos, tudo "fechado a 7 chaves". A Capoeira precisa desse altruísmo, que nem todos têm... eu pelo menos não tenho "vocação" para ser S. Francisco de Assis.

A maior surpresa foi saber que, em breve, o Grupo ECAP fará novo disco, CD no caso e, se tudo correr bem, teremos meu irmão e eu algo nosso gravado. Continuo sem entender quando foi que fiz por merecer tanta consideração... me sinto "intimado" a voltar às origens, principalmente porque saí da Capoeira mas ela não saiu de mim, ainda mais quando o assunto é MÚSICA. "Capoeira pra mim é oração, / daquelas que não se reza todo dia"... "avise aos amigos que estou voltando, / descalço, cansado, mas sigo caminhando". Ê, ê, tum-tum-tum... olha a "pisada" de "Lampiãio"! 
"NATO" AZEVEDO -- 5/abril 2015

NOTA DO AUTOR: (8/abril) -- Anteontem me cumprimentou um certo Ronilson, MESTRE Ronilson, frisou êle. (Pegou o "bonde" errado, conhecia meu irmão gêmeo, não a mim.) Não sei porque se faz tanta questão do título por aqui, pessoas que sequer têm Grupo, não dão aulas em lugar algum, por vezes nem mais praticam a Capoeira... mas se apresentam como mestres em todo canto onde vão.
Apesar das Federações e de uma Confederação lamentável, a Capoeira AINDA É folclore, continua sendo FOLCLORE e, como todo folclore, títulos não "nascem" de diplomas ou certificados, se consolidam a cada dia pelo trabalho de professor, por sua dedicação e construção do seu Grupo, pelo seu conhecimento real, pelos alunos que faz, poucos mas bons. Conheci os 2 nomes maiores dela aqui em Belém, convivi com ambos entre 1988 e 90...as definições acima não se encaixam na figura de nenhum. Como então ficaram tão famosos? Nem Deus sabe!

Ver a Capoeira ser tratada com tanta CONSIDERAÇÃO e carinho na França e em outros países só me envergonha. Conheço jovens ensinando em EPs do Pará desde os anos 80... nenhuma regalia, nenhuma pintura nas paredes descascadas do local de treino, nenhum RECONHECIMENTO pelo esforço e persistência dos então professores, hoje merecidamente MESTRES. Enquanto isso, um folgazão qualquer recebe 10 MIL reais dos "IFAMs da vida" pela fama que tem !
Pela Internet o poeta Rufino Almeida diz não entender como se pode ser anti-Brasil ! Basta se ver como são tratados os esportistas em qualquer área, para se compreender. A CAIXA trilhionária (próximo patamar nos escândalos nacionais) diz investir fortunas nos esportes... para onde vai realmente essa dinheirama toda ? Para o esportista é que não é!
("NATO" AZEVEDO)

 

ONTEM FOI UMA ENTREVISTA SURREAL !

Tive o prazer de conhecer mesmo virtualmente o grande Mestre Moraes (Omogunkeji TR) pude ouvi-lo durante 50 minutos de manhã no teste do programa e depois por 3:30 min no Programa a noite.

Confeço ter tido um pouco de receito de não ser bem recebido, mas como o mestre mesmo fala, se você chegar de coração aberto, ele sente o carinho e o respeito. E foi o que aconteceu.
Obrigado ao amigo Edison Coelho Dhunga pela ponte e ao PROGRAMA NA IDENTIDADE DO CAPOEIRA por me proporcionar esse momento.

Cmestre Fly

Se não fosse o samba quem sabe hoje em dia eu seria do bicho
Não deixou a elite me fazer marginal e tambem em seguida me jogar no lixo!
(Carlinhos Russo-Zézinho do Valle)

Incrível a importância social de uma quadra de Samba nos morros do Rio de Janeiro!
Salvo engano de minha parte a da Mangueira tornou-se um polo esportivo fantástico mudando o destino de centenas de crianças!
Enquanto a Quadra de Samba do Vila Rica em Copacabana foi embaixo de minha janela, vi coisas do arco da velha!
Anos depois mudou-se mais para cima e foi ali que o berimbau me chamou e pude conhecer o futuro Mestre Guará

A minha 1ª ida a sua casa foi um choque pois ao saber que sua mãe, dona Maria da Conceição criava 3 filhos sózinha me veio na lembrança minha mãe subindo o morro com um filho e uma sacola de compras em cada braço. Quando o conheci eu tinha idade e conhecimento suficiente para ajuda-la um mínimo que fosse, mas a Lei de Muricy que ja vem embutida em quem nasce no morro, castra e imobiliza.

Nossa amizade se fortaleceu com o tempo, mas a 1ª laçada forte foi uma infeliz aula de matemática dada por este incompetente que não sabia o limite na cobrança do aprendizado de uma criança! Convivemos por pouco tempo porque em 1983 sai do RJ, mas restou estes 2 episódios:
Trabalhei num laboratório em Botafogo e o dono me permitiu fazer o exame de sangue do Guaracy Paulino da Conceição de graça. Desgraça pouca é bobagem, Guaracy que ja fazia curso de faquir por força do destino, ainda tinha que ir ao exame em jejum.
Para piorar eu não tinha o dinheiro da passagem de maneiras que tivemos que ir os quase 5 KM na base do expresso canelinha ou seja: A pé!
Quase matei o menino e após tirarem o sangue, tiram-lhe as forças também!
Sorte minha que a duas quadras dali morava a Capoeirista Sueli e eu fui rezando para a casa dela!
Ela estava viajando mas o marido dela, o famoso desenhista Ivan Watch Rodrigues nos deu um salvador café com pão e ele pode voltar são e salvo para casa. 

E outro aconteceu um 7 dias antes de 11-11-1979 na Feira de São Cristovão enquanto era resgistrado a reportagem para o jornal O Globo:
Nesse dia tu marcou no pé do berimbau e pegou um pé no olho, inchou logo e voce chorou pra burro, ai eu te paguei uma laranjagua, logo tu melhorou.
A anestesia foi na base da laranjada quente!
Ja distante dele 4.000 KM , continuamos nos contactando atraves de cartas, que eu buscava no correio 2 horas de remo distante! 

Foi lá que recebi emocionante desenho que originou esta homenagem!
Na real se Guará ainda não venceu, conseguiu realizar o sonho dourado de todos os capoeiristas: Ir a Mãe Africa!

Leiteiro
Remexi meus guardados e achei este desenho, feito para mim pelo menino Guaracy, em 28 de março de 1984, hoje Mestre de Capoeira Guará, desenvolvendo, ensinando e divulgando esta linda Arte na França.
No caso deste desenho, foram digamos, meia hora de dedicação, pensando na pessoa, se ela gostaria daquela côr ou do tipo de peixe.
Então este desenho, não é só um pedaço de papel colorido, é a soma de tempo e pensamentos, e no minimo um pingo de emoção!

Guará:
Tô emocionado com este email, não lembrava de nada, nada...

Yasmine:
Guará, meu caro, também eu fiquei emocionada...sinais de uma infância remota, perdida na falta de registro. A infância nos diz muitas coisasde nós mesmos...nos faz entender nosso universo particular, nos faz repassa-lo aos nossos filhos...porque senão esta, que outra motivação tem na nossa passagem por esse mundinho vão...a não ser deixar pros nossos herdeiros pequenos sinais de quem fomos.
O resto é tão nefasto, tão perecível,que melhor seria se levássemos conosco pra virar semente de nada! 

Leiteiro:
Yasmine, a Sra é do balacobaco!
Essa sua definição é do baú. É claro que meu lado ateu, não acredita muito naquela de inspiração do Espirito Santo, mas depois de ler suas palavras, minha convicção, balança, baalaançaa....
beijos de Leite!

Dona Yasmine:
Olá Leiteiro! Pois veja você, fui casada com o Guará por quase 5 anos, e durante todo aquele tempo, escutei tanto falar em você e mestre Lua!
A nítida sensação de que a infância dele estava só naquela memória...e onde estavam vocês?
Ele sempre quis reencontrar vocês, e agora isso se realiza...Porque até hoje, muitas vezes tenho a sensação, de que Guará pulou aquela fase da vida...a família, por conta de todas as dificuldades, meio que passou por cima...e na relação com o filho isso fica tão claro...a impressão de que a infância é algo quase supérfluo, tipo cultura nesse nosso país!
Enfim, vendo aquele desenho e tudo o que ele traz de inconsciente, (medos, tristezas e uma infância subestimada) percebo que muito da dureza que hoje, volta e-meia invade as feições desse capoeirista, e esconde o que nunca vai ser esquecido por aquela criança que mora ali dentro... ainda assim, ele supera qualquer expectativa, vai muito além das oportunidades desse país!
É um grande homem, íntegro como poucos! 

Esse reencontro merecia um documentário!
Porque aquele projeto social ali, na Ladeira dos Tabajaras, mudou um futuro presente hoje!
E o efeito borboleta disso tudo...gera um pedacinho de um outro Brasil, que lamentavelmente ficou só no pedacinho, mas poderia ser um Brasil inteiro...não é mesmo???
Um grande abraço!
Yasmine

A sorte lhe bafejou, Guaracy foi para a França, fez-faz um lindo trabalho, tem um maravilhoso site! 

Nem eu, nem Guará poderiamos imaginar a projeção que o futuro nos reservava, através do Pioneiro Lua Rasta!
Digo Pioneiro porque Lua foi o 1º no Rio a trabalhar com os meninos de rua da Cinelândia!
Isso nos trouxe um problema, fomos impedidos de fazer roda de Capoeira na Cinelãndia pela policia que disse que nos armava-mos as rodas para os pivetes roubarem.

Capoeira quem é teu pai?
Sou filha de Bamba
nasci na Africa
cresci no Brasil
sou irmã do Samba! 

Na real se Guará ainda não venceu, conseguiu realizar o sonho dourado de todos os capoeiristas: Ir a Mãe Africa!
Não há duvida que a essência da Rainha Nzinga N'golo aqui no Brasil se hermafroditou, passou a ser Mãe e Pai de muitos, de Estados como Pernambuco, Maranhão e Bahia, que a ensinaram e divulgaram no leste e sul do Brasil, e de muitos Brasileiros que a ensinam e divulgam no Mundo!
Ontem erámos filhos, hoje somos pais e amanhã avôs no ensino desta Arte Maravilhosa, redentora de possíveis e prováveis Restos Humanos!

Site do Mestre Guará na França:
http://www.angola-ecap.org/spip.php?article1- 20&id_rubrique=1

Se não fosse o samba-Bezerra da Silva- letra e video
http://letras.terra.com.br/bezerra-da-silva/11...

Para a MINHA VERDADE só existe uma réplica A MENTIRA! (Leiteiro)

Fonte : OVERMUNDO

 
 

 

A capoeira é minha pedagogia e minha filosofia

Guardo minha escassa paciência para aqueles que realmente precisam de compreensão. Para os demais, minha filosofia é a do capoeira: bobeou, levou! Pois quem não sabe andar, pisa no massapé, escorrega. Quem não sabe jogar, fica miúdo no jogo. Chega devagar. Treine antes de entrar na roda. O mesmo vale em relação a entrar num debate, numa discussão. Tem que se informar antes. Se vocês sabem que têm uma limitação, vocês deveriam ser os mais preocupados e dedicados. Se não sabem, vocês também deveriam ser os mais preocupados. Na roda da malandragem, no meio dos partideiros, quem atravessa o samba, é atravessado. Quem tá sempre pedindo compreensão é porque não está compreendendo nada. Então, apenas pare, observe, sinta. Quem tudo apenas pede é porque pouco merece. Porque quem tá no corre o corre reconhece. Entenda, de antemão, que ninguém tem obrigação de te ensinar nada. Pelo menos, não mais do que você tem de se virar para aprender. Afinal, quem tá no erro é você.

Na pista, ninguém educa segurando pela mão, não. É vivência preta. É pedagogia. É filosofia. Na nossa vida, ou a gente corre na frente, ou fica pra trás. A vida ensina de diversas formas. E, nas mais refinadas, ela impõe um custo a quem é displicente com o conhecimento. Capoeira é fundamento. É ensinamento. Ainda tem gente dizendo que é preciso inserir pedagogia na capoeira, método, etc e tal. A capoeira é o próprio método. A capoeira é a própria pedagogia. É a partir disso que ela se estabelece como filosofia de vida. Capoeira ensina. Mas não é ensinar pegando na mão. Pelo contrário, te ensina te deixando na mão. Te ensina a te virar. Ao mesmo tempo, ela te mostra que o mundo é acessível e que podemos realizar até mesmo o impossível. Te prepara para tudo que vier e pra tudo que você quiser, ao te ensinar que pra tudo tem um jeito. Ou tem que ter. Se vira!

Capoeira é te testar o tempo todo, te apertar de todas as formas e, nisso, extrair o melhor de você. Ela vai te inspirar toda confiança do mundo e depois vai te trair. Só para você aprender a não confiar demais, em hipótese nenhuma. Mais do que a confiança em si, a lição é sobre sobre o perigo da acomodação. Quando tomamos as coisas por certo, tendemos a ser displicentes. E isso a capoeira não tolera. Na capoeira, cochilou, cachimbo cai. Se dormir no ponto, te ganham, amigo. E é apenas essa filosofia, essa pedagogia de te apertar, que explica esse jogo de picardia, de sorriso falso, traiçoeiro. É um apertando o outro, num jogo de malandro onde duas facas vão se amolando. Ou pelo menos era. Porque com essa nova pedagogia nutela, a brincadeira virou só brincadeira mesmo. O meio virou fim. Se ensina pegando na mão. E, quanto mais boias e coletes salva-vidas à sua disposição, mais displicente você será em relação a aprender a nadar. Com toda sinceridade, na capoeira, quem quer ser mimado, tá no lugar errado. Capoeira com outra pedagogia, com outra filosofia, pode ser considerado tudo, menos capoeira. A capoeira não cabe em uma academia, numa forma de levantar a perna ou balançar o corpo. Ela é uma relação com o mundo baseada no “se vira” que o sistema é bruto e só sendo mais bruto que ele para passar por cima de tudo.

É recorrente a comparação desse jogo de gato e rato que é a capoeira com o jogo de xadrez. Na minha concepção, capoeira é xadrez de Exu. É um xadrez de corpos. Uma esgrima corporal a partir de uma corporeidade sustentada na filosofia desse Orixá. Tem tranquinagem, tem música, tem dança, tem certezas sendo desmanchadas em fração de segundos, tem o impossível acontecendo como se fosse a coisa mais normal do mundo, como punição à displicência ou prêmio à insistência, tem a zombaria, têm as gargalhadas, os pontos (enigmáticos) e, principalmente, um corpo vibrante, dinâmico, alegre, vivo! Características inconfundíveis desse Orixá do fogo. Mas as “coincidências” não param por aí. Pense o corpo. O que é ele? Ele é elemento de ligação. Sem ele, nada se realiza. Nada se materializa. Tem que passar por ele. Uma ideia precisa do corpo para se realizar, tal qual sempre se precisa de Exu para que qualquer coisa seja realizada, como bem se pode apreender da mitologia ioruba e dos ensinamentos nas casas de axé. Até para se comunicar com os demais Orixás, não se faz se não se alimenta Exu antes. Há de se alimentar o mensageiro, pois, caso contrário, a mensagem não chega. Tem que cuidar do canal. O corpo também é esse canal que deve ser cuidado para que possamos materializar nossos desejos e o que emana da nossa espiritualidade. As comparações com o corpo vão ao infinito…

Todavia, o infinito não cabe aqui e seria demasiada pretensão querer dar conta dele ou de Exu. Então, vamos no sapatinho. Falemos um pouco da figura mitológica que traz toda uma pedagogia e uma filosofia de vida que fazem parte do fundamento da capoeira. Nas histórias desse Orixá, se percebe que quem o alimenta, recebe. Quem o negligencia, se dá mal. Quem o alimenta e sobe na vida, mas depois se acomoda e se faz displicente, se dá mal duas vezes. Malvado, não? Vingativo, né? Lição! Ensinamento. Existe um ditado que meu pai sempre me falava: dinheiro não leva desaforo pra casa. Qual não foi minha surpresa ao saber que Exu além de simbolizar o fogo, a transformação, a comunicação, o movimento, a troca, dentre muitas coisas, também simboliza o dinheiro? Com dinheiro, o ditado é meio óbvio. Agora troquemos ele por “comunicação e movimento”, por exemplo. Sem se comunicar ou se mover direito, a gente chega a algum lugar? Nós somos a medida do esforço que empregamos nisso, da reverência prestada, da atenção dispensada. É um Orixá que também está sempre arrumando confusão para aqueles que não prestam a devida atenção com ele, né? Já viram como a falta de cuidado com a comunicação ou com o dinheiro ou mesmo com o movimento acabam te colocando em situações para lá de difíceis? Bom, voltemos ao ditado e troquemos “dinheiro” por Exu. É isso. Ele não leva desaforo pra casa. Ao mesmo tempo que, se você sabe cuidar dele, ele cuidará direitinho de você. Com ele, tudo você pode. Troque-o pelos elementos que simboliza e você vai aprender que ele apenas está te ensinando, à sua maneira, pra valer, a ser sagaz com os elementos que vão desenhar sua trajetória de vida.

Ainda, nas histórias, ele vai ensinar o valor do sacrifício, da dedicação. Sem choro nem vela, quem põe metade, recebe metade. Quem põe demais, recebe demais. Mas como tudo que é demais sobra e tudo que sobra atrapalha, vai dar problema também. Mas quem decide isso? Quem nos dá a medida do que é pouco ou muito? É aí que entra o amigo inseparável de Exu: Orunmilá, o guardião do saber — que é fornecido por Exu, que, como guardião dos caminhos e da comunicação, tudo sabe. Orunmilá é como um oráculo. Não adianta se esforçar se o esforço não está sendo bem direcionado, bem empregado. Nas histórias, quem sai sem antes se informar, só vai se atrapalhar e não vai chegar. Quem se informa e não segue as recomendações, será acometido pela mesma má sorte. Não basta saber, tem que fazer. E isso é um grande ensinamento para a vida. Se a gente buscasse se informar antes de sair, antes de falar, antes de tentar, evitaríamos tanta confusão. Para qualquer projeto, uma pesquisa prévia é fundamental. Pesquisar antes de fazer é uma tradução da relação com Orunmilá. Fazer o que a sabedoria recomendou é uma forma de alimentar e venerar Exu. A propósito, a primeira recomendação de Orunmilá é sempre alimentar Exu. Ele mesmo, sábio que é, separa a primeira parte de tudo que recebe para seu amigo e mensageiro, guardião dos caminhos e da comunicação.

Mas aí, metaforicamente falando, tem aqueles que não recorrem a Orunmilá quando querem alguma coisa. Por exemplo, quando entram numa roda de capoeira ou numa discussão. Ou aqueles que até sabem o que deveriam fazer, isto é, “consultaram o ifá”, mas não fizeram o recomendado, não alimentaram Exu. Em resumo, sabem, mas não fazem. Me diz o que tende a acontecer? Vai dar ruim. E a culpa é de quem? De quem foi displicente! É sobre aprender a ser responsável. Daí decorre todo o problema com Exu e com nosso sistema filosófico, mitológico e pedagógico por parte das classes dominantes. É um problema do tamanho da dificuldade dessa sociedade em lidar com suas responsabilidades. A facilidade de se desvencilhar da culpa e da responsabilidade é o grande trunfo para a manutenção do status quo. A displicência tem um custo bem alto e se você nao tá pagando por ela, é porque alguém está pagando por você. O que seria dessa galera se tirássemos dela o poder de alegar desconhecimento e pedir compreensão? Compreensão essa que nunca nos dão. Se impuséssemos um custo á sua cômoda displicência… pense nisso! E o outro lado da moeda é que essa filosofia quando incorporada confere às pessoas um poder incontrolável — como o é o próprio Exu e como costumavam ser os capoeiras. Por isso, são sempre inibidos quando manifestados a partir de corporeidade negra.

Esse é aquele momento em que deixo as pessoas perceberem que o fato de eu gostar de jogar capoeira de vermelho e preto vai muito além do fato de eu ser torcedor do Flamengo. É porque eu acho que tem tudo a ver — capoeira e Exu. Pra mim, é fundamento. É referência. Tem música. Tem alegria. Tem picardia. Tem zoeira. Tem o impossível. Tem o improviso. Tem, principalmente, o custo da displicência. Tem que ter sabedoria. Tem que saber os atalhos. Tem que conhecer os caminhos. Tem tudo que já citei, repeti e muito mais. É cria da rua e dona da rua. É a própria rua. Cada movimento é uma chamada. E cada chamada é uma encruzilhada. Ali é assim, o jogo é animado mas quem vacilar acaba deitado. E quem é o culpado? Respondo com uma frase clássica dos capoeiras: errado é quem leva. Sempre! É pedagogia. É filosofia. Por isso, cantamos:

“Olha, bem miudinho. Cuidado! Esse jogo de angola é mandingado.
Esse jogo de angola é mandingado e errar nesse jogo é complicado”

P.S.: E vou dizer que não acho, em hipótese alguma, que o vermelho e preto do Flamengo seja mera coincidência. Até porque elas iriam bem além das cores. Torcida vibrante, adora uma farra, mais próxima do povo… Um time que adora aprontar umas com a gente. Sempre que achamos que está perdido, ele vai lá e mostra que “isso aqui é Flamengo, porra!!”. Como aquele memorável Flamengo e Santos. E sempre que achamos que está ganho, ele nos mostra que é Exu no comando e toda displicência será punida e motivo de zoeira. Ah Cabañas… Por fim, aquele gol que Deivid perdeu é a cara de uma punição exemplar à displicência na pedagogia de Exu, te coloca naquela encruzilhada em que você não sabe se ri ou se chora…  

Maicol William

Espaço de divulgação para os textos e reflexões do Kilombo Òkòtó

A roda de capoeira foi declarada no dia 26 de novembro de 2014 em Paris como Patrimônio cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Esse título de reconhecimento é muito importante para a cultura afro-brasileira.

Comemorando esse reconhecimento o Sr. Roberto Chaves, fundador do “Lavagem da Madeleine”, realizou no dia 06 de setembro de 2017, no anexo da sede da UNESCO em Paris, a entrega de certificados aos Mestres de Capoeira e dos dossiês do REGISTRO da Capoeira como Patrimônio Imaterial do Brasil.

O evento foi muito emocionante tendo relatos e agradecimentos pessoais dos capoeiristas. Entrega dos certificados de reconhecimentos pelo trabalho dos capoeiristas foi feita pela embaixadora do Brasil na França a exma. Sra. Maria Edileuza Fontenele Reis.

Vídeos no YouTube (sem edição): 

https://www.youtube.com/watch?v=Q8WpyTO75XY&list=PLmY1Bp-_fXhD7I7OWhTlkVa0AKKFY4SPC

Fotos e texto: Louisa Monteiro

Eventos Brasileiros na Europa

 

 

Nesta semana viralizou um vídeo em que um mestre de Capoeira, em pleno evento feminino, suspende no ar uma capoeirista e beija suas nádegas.

Ao colocá-la no chão, recebe uma cotovelada e um tapa, revidando imediatamente com um chute que a joga longe.

Todos os elementos de uma notícia bombástica estão ali: exposição pública do corpo feminino, violência gratuita, covardia e um terreno fértil para o esporte preferido dos tablóides sensacionalistas: fofoca.

Teria sido lindo se algum capoeirista presente, QUALQUER UM, independentemente de gênero, idade ou tempo de Capoeira, tivesse entrado na roda e gritado: “Iê! Parou!” e dito: “Enquanto não se discutir o absurdo da situação que houve aqui não tem cabimento continuar a roda!” e aberto uma roda de conversas para debater a questão, expondo o ridículo do ato impróprio. Se a roda é de todos, todos são responsáveis.

Mas isso não aconteceu. Nunca acontece. A indignação vem depois, via facebook.

Quantas vezes não vimos situações de opressão ou de violência muito parecidas com essa, em que ninguém falou nada?

Três coisas me chamam a atenção nesta roda:

  1. A normalização da violência contra a mulher: o corpo da mulher é historicamente explorado pelos homens, que se sentem no direito de fazer com ele o que bem entendem, ao ponto do tal mestre se sentir no direito de beijar a bunda da sua oponente e ninguém parar a roda para falar nada.
  2. A normalização da violência na Capoeira: uma roda de confraternização tem um jogo onde após uma suspendida, uma cotovelada, um tapa e uma bicuda ninguém para a roda para falar nada.
  3. A normalização da violência discursiva: um bombardeio de comentários que incitam ainda mais a violência se espalham como fogo no facebook. Todos falamos muito.

VIOLÊNCIA

O tal mestre provavelmente foi convidado para o evento e certamente não foi a primeira vez que resolveu mostrar toda sua valentia. Sobram dúvidas: quem o convidou? Por que ninguém falou nada? Por quê não se parou a roda?

O cara errou. Errou feio. Errou de um jeito que nunca mais vai errar. Qualquer tipo de violência contra uma mulher deve ser reprimida. Ponto final. Não há o que relativizar.

Mas cooommooo isssoo foi aconteceeeer??? Uma dúvida: será que ele é tããããooooo diferente dos demais capoeiristas que estavam ali? Ou de todos nós?

O cara está sendo execrado e linchado publicamente, recebendo dezenas de ameaças dos valentões do facebook, que lhe enviam convites virtuais para visitar suas rodas e resolver as coisas do jeito Maçaranduba de ser.

Nos comentários do vídeo aparecem homens-machos-masculinos super interessantes, dizendo: “Se fosse minha irmã eu quebrava no pau” ou “Ela é namorada de alguém! Merece respeito”.

Amigo, olha só: se porrada resolvesse e educasse, a cadeia tava cheia de gente educada e regenerada. Não adianta querer ensinar o cidadão que violentou com a mesma moeda da violência. Na política do olho por olho, todos terminam cegos. E não, não é porque ela é namorada ou irmã de alguém que o beijo na bunda foi desrespeitoso, ok?! É desrespeitoso porque foi uma opressão e ponto final.

MORALISMO

O curioso é que de repente aparece um monte de guardiões da moral, todos super revoltados, como se o distinto cidadão que fez o ato tivesse vindo de outro planeta ou de outra arte qualquer. Ele era um marciano praticante de yoga tântrica? Não. É um capoeirista como tantos outros que saiu do seu país para tentar a sorte em terras estrangeiras, levando consigo o seu título de mestre de Capoeira e sua vivência pessoal de ser fruto de uma cultura machista e violenta. O beijo, o chute, o tapa, a cotovelada e todo o resto da cena não se deu numa arte distante de um país desconhecido. Pelo contrário, a cena é bem comum na Capoeira e no Brasil em geral, com algumas variáveis. Na resolução de conflitos da Capoeira, o machismo e a violência são regra, não exceção.

O QUE EU TENHO EM COMUM COM ELE?

É só dar uma breve pesquisa e você vai ver que tem muitos, mas muitos amigos em comum com ele no facebook. Surpreso? Não deveria. Saiba que entre os seus amigos há misóginos, homofóbicos, racistas e imbecis de todas as categorias. Como somos produto do meio, isso quer dizer alguma coisa sobre nós mesmos…

É bem mais fácil xingar o vacilão do que pensar que ele tem mãe, esposa, filha; que tem um mestre de Capoeira; que tem alunos; que é mais um representante da Capoeira na Europa, que já apareceu até no Luciano Huck (pesquisa aí no Youtube)… Que na verdade, ele é muito parecido com o espelho que temos em casa.

EU NÃO SOU MACHISTA! ELE É QUE É!

Todos contra o machismo! Será mesmo? Amigo guardião da moral: não é você que se irrita com a forma de sua namorada de se vestir? Não é você que sempre que vê uma mulher na rua se sente no direito de dizer um “pssssiiiiuuuu”? Não é você que no meio de um evento de Capoeira começa a puxar papo torto com garotas que não te deram abertura para isso? Não é você que chega num curso de Capoeira já contando as horas para o momento de relax onde você vai tentar dar em cima das alunas? Não é você que confunde a admiração de uma mulher pela sua Capoeira com interesse sexual pelos seus atributos físicos? Não é você que é casado com uma capoeirista mas faz questão de que todo mundo saiba que você é pegador sinistrão cheio de amantes?

Quem nunca viu um mestre ou um futuro mestre de Capoeira ser inconveniente com mulheres, seja na roda, seja nos comentários, seja no samba ou nas festas?

A ideia de que o capoeirista tem que ser “pegador” faz parte em grande parte do nosso meio. Assédio sexual na Capoeira é quase sempre jogado para baixo dos panos, com as mulheres tendo que se afastar e sendo constantemente colocadas à prova ao se esquivarem dos ataques físicos que são piores fora da roda do que dentro dela.

Será que não chegou a hora dos capoeiristas homens refletirem mais seriamente sobre suas próprias ações? Será que somos tão diferentes assim do agressor em questão?

SEXO

Uma musiquinha tirada a engraçadinha era cantada até pouco tempo nas rodas de Capoeira e ainda pode ser encontrada nos sites de letras:

De um tempo para cá a coisa melhorou. Pelo menos não se ouve este tipo de imbecilidade na maioria das rodas, mas a sexualização continua sendo parte integrante da nossa cultura. Por exemplo, quando colocamos a palavra “Capoeira” no Youtube qual é o vídeo com recorde de visualizações? Mestre Bimba? Mestre Pastinha?

Não. O primeiro é este, com mais de 22 MILHÕES de visualizações

Quando se liga o vídeo não há nada de Capoeira e sim uma cena de samba. Será que isso quer dizer algo?

A figura feminina faz parte constante dos papos de bar pós-roda. “Comi essa, essa e aquela”, “Viu aquela gostosa de abadá coladinho?”, “Vai ter muita mulher no evento de beltrano?”

Quando as mulheres reclamam do machismo elas são vistas como “exageradas” ou então “estão de mi-mi-mi”.

Neste meio tempo um indivíduo se sente na liberdade de beijar a bunda da oponente na roda, assim como outro se sente na liberdade de chamá-la de “gostooosssaaa” na esquina ou mandar o clássico “te chupo toda” no meio da rua.

VIOLÊNCIA

Seguindo nas buscas do Youtube, chegamos em vídeos deste tipo. Os mais de 2 milhões de visualizações em um ano não dizem nada sobre nós? Sobre o que valorizamos?

Agora, sempre que aparece algum capoeirista desmaiando um adolescente numa roda ou bicando uma mulher num evento brota pacifista de todos os cantos.

Amigo pacifista: não é você que acha maneirão tatuar a testa do ladrão de bicicleta? Não é você que vota em quem diz que “bandido bom é bandido morto”? Que prefere ter filho morto do que gay? Que incita os alunos a darem chutes sem controle, tapas na cara e quedas de wrestling? Não é você que que quando alguém se machuca na roda é o primeiro a dizer: “Deu mole! Se estivesse treinando mais isso não acontecia”?

Não é você que incentiva uma Capoeira cheia de “raça”, “guerreira”, “pronta para tudo”?

Um pouco mais de bom-senso faz bem para todo mundo: não se deveria suspender ninguém numa roda de Capoeira. Tampouco dar um tapa na cara e uma cotovelada, muito menos bicar a caixa torácica de uma pessoa com metade do seu peso. Beijar as nádegas é apenas mais um ato surreal num festival de anomalias que longe de serem alienígenas, dizem muito de nós mesmos.

Se começarem a tatuar cada um dos vacilos que vemos na Capoeira vai faltar testa e tinta…

FOFOCA

Diariamente são postados centenas de vídeos e textos interessantes sobre cultura, política, corpo e outros assuntos super interessantes à Capoeira. No entanto, vídeos escandalosos e mensagens de fofoca fazem mais sucesso. Basta postar algo como: “Tem muito capoeirista comprando seu título de Mestre” ou “Olhe o trabalho de beltrano: isso não é Capoeira!” para se ganhar uma visibilidade baseada na fofoca. Quem nunca viu um mestre de Capoeira que passa a maior parte do seu tempo falando mal do trabalho dos outros?

Essa é a cultura da fofoca, mas isso é assunto para um próximo post! Por hoje é só!

Axé!

Mestre Ferradura

PS – Compartilhe este post e comente suas ideias! Se você gostou ou se você acha que estou de “mi-mi-mi”, diga aí e marque os amigos para debatermos juntos!

Omri Ferradura Breda

Mestre de Capoeira e pedagogo

O objetivo deste trabalho é analisar como são transmitidas pela mídia e pela escola informações relativas à história afro-brasileira, especialmente à Abolição da Escravatura, e suas implicações nas identidades dos estudantes.

Devido à extensão do tema, recorri a diversos autores, privilegiando, no entanto, os estudos de Emilia Viotti da Costa, Elisa Larkin Nascimento, Ricardo Franklin Ferreira e Thomas Skidmore, por considerar seus trabalhos relevantes nas áreas de Ciências Sociais, Educação, Psicologia e História.

Ao lado da pesquisa bibliográfica, houve ao longo do trabalho preocupação em interferir na realidade, estabelecendo um diálogo com os autores do principal objeto de estudo analisado: a edição especial da revista Turma da Mônica – coleção Você Sabia?, nº 2, da Editora Globo, intitulada “A Abolição dos Escravos”. A revista é consumida por crianças e jovens de diversas faixas etárias e camadas sociais em todo o território nacional.

Livros com conteúdo educacional, porém não oficializados pelo MEC.

A coleção Você sabia? se propõe a ser uma fonte de informação lúdica, que facilite o aprendizado de certos feitos históricos nacionais, como o “Descobrimento” e a “Independência”. Por seu caráter supostamente educativo, definido pela editora como “ferramenta lúdica de apoio educacional”, pode ser encarada como um recurso paradidático, que o professor poderia utilizar para suscitar o interesse dos alunos por determinado tema em sala de aula.

Observou-se que um enfoque eurocêntrico e veladamente racista foi utilizado na apresentação dos conteúdos relativos à história afro-brasileira. A revista, no entanto, alegadamente se propõe a ser um veículo de valorização dessa mesma história. Conclui-se, portanto, que mesmo uma atitude teoricamente bem-intencionada em relação à questão racial brasileira, quando tratada de forma superficial, pode se provar infrutífera e contraproducente, estimulando de forma ingênua justamente aquilo que se propõe a combater.

O termo “negro” foi utilizado pelo dominador europeu para esvaziar a identidade dos diversos povos africanos escravizados, homogeneizando-os. Porém, ao longo deste trabalho será também utilizado na forma como foi ressignificado pelo movimento negro: uma identificação positiva, com os valores étnicos dos afrodescendentes (Ferreira, 2000, p. 81). “Mesmo reconhecendo as limitações advindas de assumirmos categorias raciais como “branco” e “negro”, tais classificações foram utilizadas, pois, se não for à ‘raça’, a que atribuir as discriminações que somente se tornam inteligíveis pela idéia de ‘raça’?” (Guimarães, 1999a, p. 24).

A mídia, os livros didáticos e os paradidáticos são fontes disseminadoras de informação e valores. No entanto, a transmissão destes é baseada numa ideologia muitas vezes sem que os autores se apercebam disto. Para ilustrar esse fato, foi feita uma breve análise das representações sociais do negro utilizadas em histórias em quadrinhos no século XX. Avaliamos o impacto que essas representações podem ter na identidade e na autoestima das crianças brasileiras.

O trabalho não se propõe a ser uma pesquisa imparcial, baseada numa pseudoneutralidade científica impossível de ser atingida nas Ciências Humanas. Segundo Ferreira (2000) e Freire (1996), é importante que o trabalho em ciência politicamente comprometido parta de situações existenciais que tenham tocado emocionalmente o pesquisador, de modo que este recuse a neutralidade, passando a “elaborar trabalhos cada vez mais diretamente comprometidos com a melhora da condição humana” (Ferreira, 2000, p. 19-61). Nas palavras de Freire (1996): “daí o meu nenhum interesse de (…) assumir um ar de observador imparcial, objetivo, seguro, dos fatos e dos acontecimentos (…). Quem observa o faz de um certo ponto de vista, o que não situa o observador em erro” (1996, p. 14).

A subjetividade do pesquisador deve ser considerada uma das variáveis a influenciar os rumos da pesquisa. A motivação principal que me levou à elaboração deste trabalho foi a indignação sentida ao analisar a revista citada e perceber que tal material foi impresso e distribuído em todo o país. Levando em conta o cenário de desigualdade social/racial existente no Brasil, fazem-se necessárias medidas e estudos que combatam esse mal e tentem, de alguma forma, reverter esse quadro.

Representação social do negro em histórias em quadrinhos – HQs

As HQs, como são chamadas pelos fãs, pelo custo reduzido e facilidade de leitura, são para muitos a única fonte de leitura acessível. Tradicionalmente, tendem a representar a ideologia vigente na época em que são editadas. Dessa forma, os personagens, a linha narrativa e, principalmente, as gravuras podem servir como termômetro dos valores e da ideologia de determinado momento histórico.

Tarzan – 1912

Criado por Edgar Rice Burroughs, filho do inglês Lorde Greystoke e sua esposa, Lady Alice, Tarzan representava o imaginário do imperialismo europeu na África. O “Rei dos Macacos” era a única pessoa branca no meio da exótica selva africana, portanto era justo que recebesse o titulo de “Rei”. A imagem que se expunha era a de que no continente africano só habitavam macacos ou seres humanos próximos destes na escala evolutiva.

  
Figuras 1 e 2: O personagem branco sempre em vantagem.

Tintin – 1931

Personagem de Hergé, Tintin apresentava a visão ingênua do bom europeu em visita à África. O colonialismo e o imperialismo da época se refletem em imagens estereotipadas, como esta:

Figura 3: A África no imaginário europeu.

Mandrake – 1934

Criado por Lee Falk, o personagem se fazia acompanhar de Lothar, um príncipe africano que havia trocado seu reino e o título de “Príncipe de Sete Nações” para viver como capataz de seu “patrão”:

Figura 4: Lothar é o serviçal de Mandrake. “No início da série, ele era um escravo negro que chamava Mandrake “mestre”. Com o tempo, mentalidade evoluindo, passa a chamá-lo de “patrão”, termo um pouco menos racista” (www.bdoubliees.com, acesso em 17/06/2006).

Apesar de constantemente salvar Mandrake de situações de risco e de ser apresentado como seu amigo e braço direito, Lothar sempre aparecia nas gravuras atrás de Mandrake. Até porque essa era sua função.

   

Figuras 5 e 6: “A presença de Lothar, com seu enorme corpanzil negro, só tinha a finalidade de destacar Mandrake graficamente” (www.arcadovelho.com.br, acesso em 17/06/2006).

Fantasma -1936

Das mãos do mesmo autor, surgiu O Fantasma. O personagem, de linhagem britânica nobre, vivia na África, sendo sempre representado como modelo de civilização e ordem para os chamados povos selvagens.

Figura 7: “Ele atende às tribos locais sentado num trono, com caveiras esculpidas nas pontas!” (www.universohq.com, acesso em 17/06/2006).

Figuras 8 e 9: “Dá medo ver o Fantasma enfurecido”; “O Fantasma é violento com os violentos” – ditados da selva (www.universohq.com.br, acesso em 17/06/2006).

Segundo Galvão (on-line),

o Fantasma perdeu força simplesmente porque a África não existe mais no imaginário mundial. Na década de 1930 ainda era o continente negro, cheio de mistério e animais enormes, e gigantes Masai e anões pigmeus. Os safáris eram chiques.

Hoje a África não tem mistério nenhum. Tem tutsis e hutus massacrando-se uns aos outros, tem a África do Sul recuperando-se do apartheid, tem a Libéria e a Somália, tem o Ebola e uma população miserável condenada a morrer de Aids. Quando dizemos que a África é selvagem, certamente não é no mesmo sentido que dizíamos há um século.

No trecho citado, o autor retrata a decadência do modo colonial de enxergar a África e a ascensão da imagem atual do continente. Ambas as visões são depreciativas, assim como as gravuras expostas. Os personagens brancos são valorizados em detrimento dos personagens negros.

Todos os heróis tinham em comum, além da descendência europeia, uma relação no máximo paternalista com os africanos, apresentados graficamente sempre em um nível imagético abaixo ou atrás dos protagonistas.

Sendo os autores de origem branco-europeia e vivendo em países de população majoritariamente branca, não é de se surpreender que refletissem os preconceitos e a imagem colonialista da época.

O Brasil é o segundo maior país de população negra do mundo, ficando apenas atrás da Nigéria (Guimarães, 1999b). É de se supor, portanto, que essas imagens oferecidas aos jovens brasileiros reforçassem um ideal de ego branco, desvalorizando a riqueza da pluralidade étnica do país. Só recentemente teve início um movimento de valorização da cultura afro-brasileira na mídia e no meio educacional.

Mídia, livros didáticos e paradidáticos

No que se refere a mídia, é uma instância formadora de opinião por excelência, extremamente ideológica, que tende a reproduzir os valores da classe que adquire os produtos anunciados em seus comerciais.

Lima (apud Ferreira, 2000) afirma: “Na mídia, o segmento negro tem sido representado por uma imagem estereotipada, na qual os afrodescendentes são mostrados frequentemente em posição subalterna em relação ao branco” (p. 43).

Nos últimos anos, a crescente mobilização da população negra fez o mercado perceber a necessidade de se afinar com esse novo consumidor, reproduzindo em revistas, jornais e programas de TV personagens negras em papéis diferentes dos “clássicos”: empregada doméstica, manobrista, ladrão. Há alguns anos, seria inimaginável um personagem negro protagonizar algum programa de TV ou filme. Nos anos 1970, ficou famoso o caso do ator Sérgio Cardoso, ator branco pintado de preto para viver o protagonista na novela A cabana do Pai Tomás. De lá pra cá, as emissoras têm procurado se adaptar aos novos tempos. Como o negro agora consome, deve ser retratado dessa maneira.

Nesse novo cenário surgem então iniciativas de “resgate e valorização” da cultura e da história negras, entre elas edições de revistas voltadas para o público jovem. Porém algumas perguntas se fazem pertinentes: qual o critério utilizado para determinar o que deve ser “resgatado e valorizado”? Em quais valores as informações são baseadas? Quais são os pressupostos ideológicos envolvidos? E, principalmente, qual a extensão da transformação pretendida com a difusão de certos saberes e omissão de outros, ou seja, até que ponto se pretende “mexer na ferida”?

Além da mídia, os livros didáticos, pela sua abrangência e importância para professores e alunos, estão na ordem do dia em se tratando de preconceito.

Tradicionalmente, esses livros têm sido disseminadores de discriminações diversas. No tocante à população afro-brasileira, a primeira imagem de personagens negros em livros didáticos é em situações a-históricas, posto que não se apresenta a História pré-colonial africana, em sua riqueza e diversidade. Os africanos de diversas origens são chamados pelos nomes genéricos de “negro” ou “escravo”, e sua cultura é apresentada como selvagem. As fotos ou gravuras em que aparecem são sempre relacionadas à escravidão ou a papéis subalternos na sociedade moderna, como faxineira ou porteiro. Segundo Silva (2002),

a primeira representação que a criança negra tem de si na escola a projeta como escrava, sujeito passivo da história, escravizada e, num ato de indulgência dos brancos, libertada. Não há feitos gloriosos dos seus antepassados, não há heróis negros, a religião dos negros é tratada como fetiche, a semântica da palavra negro ou preto é empregada como sinônimo de algo ruim, depreciativo (p. 68).

A população branco-europeia tem sua imagem e seus valores constantemente valorizados. Isso contribui para a formação de uma cultura veladamente racista, posto que se funda em estereótipos aceitos tácita e inconscientemente pela população. De acordo com Ferreira (2000),

apesar de [na escola] nem sempre haver uma hostilidade declarada contra a criança afrodescendente, há uma consistente valorização dos valores branco-europeus, de forma a favorecer, nas crianças, a identificação com os ideais do grupo dominante branco (p. 70).

Do ponto de vista da criança negra (principalmente da criança negra pobre), seu passado não tem nada a ser valorizado. A escola, ao adotar uma postura conformada com o status quo, acaba por ser uma instância de opressão contribuidora para o preconceito.

Os valores que estigmatizam a população negra são confirmados pela educação, em ações e omissões que tendem a relacionar a posição econômica desvantajosa dessa população a uma suposta incapacidade inata de ascender socialmente. Quando esses valores são introjetados pelo oprimido, sua condição presente de inferioridade econômica é justificada (Freire, 1987; Ferreira, 2000). Como consequência cruel,

a cor de pele e as características fenotípicas acabam operando como referências que associam de forma inseparável raça e condição social, o que leva ao afrodescendente a introjeção de um julgamento de inferioridade, não somente quanto ao aspecto racial, mas também em relação às condições socioeconômicas, implicando o favorecimento de uma concentração racial de renda, de prestígio social e de poder por parte do grupo dominante (Souza, apud Ferreira, 2000, p. 41-42, grifo nosso).

Quanto aos livros didáticos, se faz mister reconhecer que nos últimos anos a situação se alterou. Desde a implementação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD/MEC) dezenas de livros são vetados anualmente. As editoras passaram a ser mais criteriosas e o nível das edições melhorou. Essa política vai ao encontro dos anseios da população brasileira e das reivindicações antigas do Movimento Negro (Nascimento, 1993). Ainda assim, de acordo com Santos (apud Trindade; Santos, 2002), “vários volumes constantes do Programa Nacional do Livro Didático estão muito distantes de uma análise menos estereotipada e conservadora da história” (p. 79). Esse autor, em artigo sobre o ensino de História, levanta a questão: “como interessar-se pela historia brasileira, se esta é contada a partir da perspectiva das classes dominantes, dos vencedores e dos detentores do poder?” (p. 82).

Coelhadas na Abolição

Nossa análise foi feita sobre a edição especial da revista Turma da Mônica cujo título é “Abolição dos Escravos”. Acredito que a história tenha sido baseada em informações históricas rasas, tratadas de forma superficial e preconceituosa. Pululam nas páginas exemplos repetidos de preconceito explícito. A ideologia racista permeia explicitamente o livro.

No ano de edição da revista, 2002, já havia no mercado diversos livros de História do Brasil revisada, o que indica que, se as informações preconceituosas não foram intencionalmente reproduzidas, ao menos a editora não se preocupou em pesquisar fontes modernas nem em ter uma postura crítica e reflexiva, comprometida com a mudança.

A figura do homem negro é representada em dezenas de imagens negativas: sofrendo, trabalhando acorrentado, sendo castigado. Em 44 imagens em que aparecem personagens negros, somente seis os apresentam em liberdade. Destas, duas se passam dentro do contexto da escravidão, em situação de fuga ou em lembrança de um passado fora do cativeiro. São 40 imagens negativas e estereotipadas para quatro positivas, ou seja, 90% da obra reforçam a condição de inferioridade da população afrodescendente.

Tabela 1: Classificação das imagens em que personagens negros aparecem representados negativamente

Aprisionados 5 imagens
Castigados 5 imagens
Apavorados 6 imagens
Em trabalhos forçados 9 imagens
Livres, porém esfarrapados/em ferros 13 imagens

A revista acerta ao apresentar com precisão a extensão dos danos feitos à população afrodescendente, mas não equilibra essa relação com imagens positivas das lutas protagonizadas por ela. Acredito que, dessa forma, inutiliza suas boas intenções e não alcança seu potencial social.

Pela pouca seriedade dada ao tema, é de se supor que os demais livros da coleção também sejam reprodutores da História oficial, dirigida por uma visão eurocêntrica e ufanista.

Seria preciso reproduzir as dezenas de imagens negativas para dar a real dimensão do que está sendo descrito; porém optou-se por destacar os exemplos de preconceito mais explícitos da revista:

Figura 10: A capa.

Temos a seguinte imagem: muitas pessoas felizes, comemorando a assinatura da Lei Áurea, exibida com alegria pela Princesa Isabel. Entre elas destaca-se um homem negro seminu, com os resquícios das correntes ainda nas mãos e radiante de alegria. Todos os outros estão vestidos. Como poderia estar ele tão feliz apesar das argolas de ferro que machucavam seus punhos e de sua situação desfavorável na sociedade?

É claro que se trata de uma alegoria, mas não podem ser deixados de lado os efeitos nocivos dessa imagem no inconsciente coletivo e, especialmente, na autoimagem das crianças negras que, dessa forma, se veem retratadas nas bancas de jornal de todo o país.

No início da revista, José do Patrocínio, personagem da história, está contando à Mônica sobre o tráfico de africanos, quando salienta:

Figura 11: O tráfico negreiro feito por africanos.

Por que “pior ainda”? O europeu escravizando é melhor? Ou menos pior? A imagem ainda apresenta o vendedor supostamente “traindo seus irmãos de cor” por uma ninharia. Reforçam-se aí três estereótipos: o negro objeto, o negro traidor e o negro burro!

A frase ainda escamoteia a verdade ao tentar passar a imagem de que existia um povo negro, e não diversas nações, muitas vezes inimigas históricas, que lutavam entre si, assim como ingleses, franceses e alemães – que nem por isso são apresentados como “traidores da raça branca”.

Segundo Romão (in Cavelleiro, 2001),

se é possível compreender que os brancos possuem entre si diferenças determinadas pelas existentes em um grande continente, não é possível observar este fenômeno quando, na escola, se fala dos (…) africanos. São tratados como se fossem todos iguais (p. 163).

Na escola, as diversas culturas africanas são tratadas indistintamente, as línguas reduzidas a dialetos tribais e as religiões a seitas (quando não “rituais satânicos”). Omitindo-se a diversidade, omite-se também o fato de que na África floresciam os mais diferentes conhecimentos artísticos e tecnológicos, adaptados às necessidades e ao modo de vida de cada uma de suas sociedades.

Generalizações e simplificações são recorrentes quando se trata de questões ligadas à cultura negra. Ou alguém já ouviu uma frase do tipo “os europeus falavam o dialeto europeu, viviam todos em um só reino e iam todos à Igreja Católica Apostólica Romana aos domingos”? É claro que não! Aprendemos na escola as diferenças entre Inglaterra, França, Portugal, Espanha. Sabemos da Reforma Protestante, das revoluções cientificas e até os nomes das caravelas de Cabral! Por que então não aprendemos nada sobre os Ashanti, os Bantus, os diversos reinos e civilizações africanas? Por que esse conhecimento é negado aos estudantes e aos professores brasileiros? Reduzir e homogeneizar são formas de uma estratégia velada de dominação, em que um dos objetivos é diminuir a curiosidade dos educandos em relação à sua história.

Um dos lemas da ideologia racista reforçada na revista poderia ser resumido na frase: “na África já existia escravidão muito antes da chegada do europeu”. Verdade. Assim como existia escravidão também em Roma e na Grécia, propaladas como a base da civilização e da democracia. Também na Europa, durante toda a Idade Média, a maior parte da população vivia em condições de servilismo similares à escravidão. O modo de produção capitalista veio alterar esse cenário, transformando a população pobre em “escravos assalariados”.

A escravidão na África era de natureza diversa da que o colonizador europeu instituiu nas Américas. O escravo africano muitas vezes se encontrava naquela condição por razões de guerra ou de dívida. O indivíduo mantinha seu nome e sua identidade. Muitas vezes essa escravidão era um momento transitório, e não raro acabava em casamento com algum membro do clã familiar, passando então a membro da nova comunidade.

O europeu trouxe consigo o advento da desumanização: o escravo deixava de ser humano para se transformar em objeto, perdia seu passado e sua identidade, sua língua e sua religião; perdia seu nome e passava a ser conhecido pelo sobrenome do dono da fazenda que o adquiria. Isso era inédito nas relações escravistas africanas, e foi uma semente nociva com consequências funestas até nossos dias.

A frase reproduzida na revista – “Pior ainda é o fato de que negros vendem negros” – é não mais que uma ridícula tentativa de justificar o injustificável! As pessoas que repetem essa baboseira do senso comum racista não se dão conta de que “brancos queimavam brancos” na fogueira durante a Santa Inquisição, em nome de Deus! Os horrores cometidos pela Igreja são condenados. No entanto, os inquisidores jamais são julgados pela cor de sua pele.

Inimigos matam e praticam todo tipo de ato vil contra seus oponentes desde que o mundo é mundo, independente da cor da pele. Por que então se acusa o “negro de vender negro”? Simples: porque foi bem-sucedida a empreitada europeia de diluir a identidade dos diversos povos africanos em um único e uniforme bloco, o dos “negros”. Dessa forma, não são observadas as particularidades de cada nação e, baseando-se nas guerras interafricanas, justificam-se os genocídios praticados pelo europeu no continente africano.

Ainda há na Figura 11 uma peculiaridade: a mulher presa usa saia de palha (provavelmente para parecer africana), porém a blusa é ocidental-moderna e o pano na cabeça remete a uma empregada doméstica brasileira.

A história continua:

Figuras 12 e 13: O destino da carga humana

Entre figuras de homens e mulheres negros sendo vendidos, marcados com ferro quente, empilhados no porão, todas reforçando sua condição inferior, encontramos a primeira e uma das únicas imagens do negro em liberdade, ainda que só na lembrança:

Figura 14: O estereótipo do rei africano

Pode-se perceber a semelhança entre o vestuário do personagem da Figura 14 com o “traidor da raça” da Figura 11 e o da negra da Figura 13. A imagem que fica é de que todo africano ou se veste com folhas ou com panos brancos.

Passatempos

Como de costume, nas revistas da Mônica, há uma seção de passatempos no interior da edição. É sabido que a atividade lúdica facilita a aprendizagem dos conteúdos e reforça valores. Penso que exatamente por isso a revista é mais perniciosa do que um material declaradamente racista, pois age em nível inconsciente, reforçando valores que estigmatizam a população negra como inferior.

Figura 15: Os personagens “em ordem de importância”.

Nesta página são apresentados os personagens da Abolição. Podemos reparar que o papel dos afrodescendentes, apresentados convenientemente ao final da página, é reduzido a “escravos libertos”, felizes da vida (apesar das correntes).

Nesta outra página, Jeremias, personagem negro, aparece como navegador europeu, encorajando o leitor a distribuir as palavras que a editora julgou serem as mais relevantes em relação à Abolição.

Figura 16: Onde estão as palavras Zumbi, luta, quilombos?

Na figura seguinte há um mapa. Os diversos povos africanos poderiam ter sido representados graficamente. No entanto, a África é apresentada como bloco único e uniforme.

Figura 17: A Europa é um continente e Portugal, um país. E a África?

A próxima atividade levanta uma questão: se Jeremias é representado como europeu, por que então não se pensou em apresentar o personagem Anjinho – obviamente loiro de olhos azuis – como africano?

Figura 18: Os personagens estão rindo do quê?

Na primeira atividade, insinua-se que foram necessárias somente leis para “libertar os escravos”, negligenciando as lutas deles por sua própria libertação.

Na segunda atividade da mesma página, utiliza-se o conceito de “raça”, junto com as palavras “negro” e “escravo”. Associando as três, podemos ter como combinações: “a raça do escravo é negra”; “o escravo é da raça negra”; “a raça negra é escrava”.

A palavra “escravo”, no inconsciente coletivo brasileiro, remete não aos judeus no Egito ou aos romanos no Coliseu; e sim à população negra escravizada. A atividade proposta apenas reforça esse já tão arraigado conceito.

A seguir há um jogo dos sete erros:

Figura 19: O oitavo erro foi apresentar a princesa “boazinha” – obviamente em um nível imagético acima dos “passivos e felizes negros” – acabando com a escravidão com uma “penada”.

As meninas negras estão vestidas como empregadas domésticas (assim como as demais personagens negras) e a branca, de princesa.

A repetição de imagens estereotipadas pode gerar nas crianças negras um sentimento de inferioridade, resultando

em rejeição e negação dos seus valores culturais e preferência pela estética e valores culturais dos grupos sociais valorizados nas representações. (…) As denominações e associações negativas à cor preta podem levar as crianças negras, por associação, a sentir horror à sua pele negra (Silva, in Munanga, 2001, p. 16-24).

Ao contrário das demais imagens, em que adultos são representados, esta apresenta crianças; portanto, a rejeição ou identificação é imediata. Como a imagem da criança branca é valorizada e a da criança negra é apresentada numa situação de inferioridade, existe a possibilidade de, “internalizando uma imagem negativa de si próprio e uma imagem positiva do outro, o indivíduo estigmatizado (…) procurar aproximar-se em tudo do individuo estereotipado positivamente” (Silva, apud Munanga, 2001, p. 16-24).

Em contrapartida ao sentimento de inferioridade, a estereotipia das imagens pode gerar nas crianças brancas outro sentimento tão nocivo quanto: o de superioridade. Esse estado patológico provoca danos na forma como as crianças enxergam a si e ao mundo, pois, de acordo com Ferreira (2000), “é condição importante para a saúde psicológica ter-se um senso positivo de si mesmo como membro de um grupo do qual se é participante, sem nenhuma ideia de superioridade ou inferioridade” (p. 68).

No Brasil, essas relações dicotômicas indicam uma distorção social no que se refere a identidade, uma vez que, em uma sociedade miscigenada como a brasileira, o ideal valorizado é o branco-europeu.

Ainda segundo Ferreira (2000), a identidade é a

maneira como o individuo constrói suas referências de mundo (…), as referências em torno das quais ele organiza a si mesmo e a sua relação com o mundo, coletivamente compartilhadas, tanto no nível consciente quanto inconsciente.(…) a identidade é uma referência em torno da qual a pessoa se constitui (grifo do autor) (p. 45-47).

Crianças que não se veem representadas positivamente tendem a criar uma identidade baseada em valores estigmatizados, impossibilitando-as, dessa forma, a “alterar situações de discriminação por meio de atitudes afirmativas quanto às especificidades raciais” (Souza, apud Ferreira, 2000, p. 41).

A continuação da história apresenta os castigos e a resistência negra:

Figura 20: “Quando é rebelde”, por que não “quando luta pela sua liberdade”?

Falando sobre os quilombos

Figuras 21, 22 e 23: Apesar de apresentar de forma romântica e ingênua a vida nos quilombos, essa é a única parte, em 33 páginas, em que o homem negro é apresentado vivendo em liberdade.

Leis abolicionistas

A escola brasileira ensina e a mídia reafirma, de forma bastante reduzida, que as leis abolicionistas foram de grande importância para a melhora das condições de vida da população negra, quando não benesses concedidas pelos donos do poder. A revista trata das leis abolicionistas reproduzindo esses conceitos em imagens deturpadas e reprodutoras da História oficial.

Por estas afirmações falaciosas serem tão repetidas e pelo seu valor simbólico no imaginário coletivo, é fundamental saber redimensionar sua real importância. O objetivo de estudar as leis é tentar compreender por que sua transmissão segue sendo repetida de forma deturpada nas escolas e na mídia brasileiras. Se é verdade, segundo Freire (1996) e Focault (2004), que qualquer estudo deve ser feito levando em conta a ideologia de quem o sistematiza ou o reproduz, a serviço de quem e de qual ideologia as leis abolicionistas são transmitidas desta forma?

Histórico da Abolição

O primeiro dado a se ter em mente é que a Abolição foi um processo inevitável pela mudança do modo de produção escravista/colonial para o capitalismo e pela industrialização crescente no mundo. A escravidão aos poucos tornou-se uma instituição anacrônica. De acordo com Costa (1988), o capitalismo, a campanha abolicionista e a insurgência escrava mudaram as relações de produção: “As condições de produção tinham-se modificado no decorrer do século XIX, de forma a tornar o trabalho escravo cada vez mais irrelevante na escala nacional” (p. 86). Portanto, antes mesmo da Abolição “o desenvolvimento do capitalismo e a Revolução Industrial já haviam condenado a escravidão como forma de trabalho” (p. 94).

Em 1831 ocorreu a proibição do tráfico negreiro. A Inglaterra pressionou o Brasil a adotar uma lei considerando livre qualquer africano introduzido no país a partir de 7 de novembro daquele ano. Segundo Costa (1988), “a lei foi simplesmente ignorada. Entre 1831 e 1850 mais de meio milhão de africanos foram ilegalmente introduzidos no país” (1988, p. 27). Em 1850 foi aprovada a Lei Eusébio de Queiroz, mais dura e que surtiu efeito maior, apesar de o tráfico ter continuado por mais alguns anos antes de cessar completamente.

No curto prazo, os preços dos escravos dobraram e continuaram a subir daí em diante. Ante a alta dos preços, os fazendeiros passaram a se preocupar mais com o tratamento dado aos escravos. Multiplicaram-se, nessa época, manuais ensinando como tratar melhor as “mercadorias” humanas (Costa, 1988, p. 31). Outra consequência do aumento nos preços foi a concentração de escravos nas mãos dos grandes senhores. Dessa forma, a população, alijada de um “bem” que passou a privilégio de poucos, deixou de se identificar com a elite escravista. A escravidão começava a dar sinais de sua inviabilidade como sistema econômico (Salles; Soares, 2005).

Leis do Ventre Livre e dos Sexagenários

A revista se detém mais pormenorizadamente nas Leis do Ventre Livre, dos Sexagenários e Áurea.


Figuras 24 e 25: Ventre Livre.

A Lei do Ventre Livre foi fruto das batalhas entre os emancipadores e os escravistas. Os primeiros lutando por sua aprovação e os últimos contra. Como a agitação social já se tornava grande em prol da Abolição, a Lei do Ventre Livre foi aceita pelos escravistas com base na premissa “reformar para evitar maior radicalização” (Costa, 1988, p. 47).

No entanto, a pressão dos fazendeiros findou por transformar a lei num instrumento a seu favor. O texto do quadrinho passa a ideia de que Lei foi benéfica à população negra quando, na verdade, omite o fato de que o projeto final dava poder aos senhores de manter os ingênuos (como eram chamados os filhos dos escravos) em estado servil até os 21 anos ou entregá-los ao Estado, mediante indenização: “Ficavam [os ingênuos] obrigados a prestar serviços gratuitos em retribuição por seu sustento. Isso na prática significava que as crianças nascidas de mãe escrava de fato permaneceriam escravizadas” (Costa, 1988, p. 47).

Façamos um cálculo rápido, feito primeiramente pelo abolicionista Rui Barbosa (Costa, 1988): uma criança nascida em 1871, antes da aprovação da lei, teria nascido e continuaria escrava até o fim da vida. Se essa criança tivesse um filho aos 40 anos, isto é, em 1911, este seria escravo até 1932!

Para melhor compreensão desse cálculo hipotético, ilustrei uma situação também hipotética, em que um homem negro, chamado “João”, teria um filho chamado “Francisco”:

Tabela 2: Ilustração do cálculo de Rui Barbosa.

1871 – Nasce João, no dia 27/09, véspera da Lei do Ventre Livre; portanto, não beneficiado por ela.
1911 – João, aos 40 anos, tem um filho, Francisco. Francisco é ingênuo, portanto deve permanecer nas mãos do senhor até os 21 anos.
1932 – Francisco completa 21 anos e é libertado.

De acordo com a Lei do Ventre Livre, caso João tivesse um filho aos 60 anos, a escravidão no Brasil teria se prolongado até depois da Segunda Guerra Mundial. O que no início pareceu uma vitória do movimento abolicionista, em pouco tempo se revelou uma armadilha. Os escravistas, por sua vez, quando perceberam que a escravidão duraria meio século a mais, passaram a defender a lei contra a qual haviam arduamente lutado (Costa, 1988). De acordo com Salles e Soares (2005), “o Visconde de Rio Branco, que nos debates (…) de 1866 não vira razões para promover a emancipação dos nascituros, era, agora, o chefe do Gabinete que fazia aprovar a lei” (p. 110).

Como a Abolição se deu 17 anos após a Lei do Ventre Livre (em 1888), e como a entrega de crianças ao Estado foi praticamente nula, quase nenhum ingênuo foi beneficiado por ela:

pior ainda, ingênuos continuaram a viver como escravos, a ser vendidos juntamente com suas mães, a ser castigados como qualquer outro escravo, perfazendo as mesmas tarefas a que teriam sido obrigados se não tivessem sido libertos pela lei de 1871. Para eles, a liberdade continuava uma promessa a ser cumprida num futuro distante (Costa, 1888, p. 50).

Lei dos Sexagenários:

Figuras 26 e 27: Lei dos Sexagenários

Infelizmente, a falta de uma pesquisa criteriosa levou a revista a reproduzir a velha falácia de que o idoso negro teria sido beneficiado. Na verdade, de acordo com Costa (1988), esse pseudobenefício não foi uma conquista da população negra nem uma benesse da elite abolicionista. A Lei dos Sexagenários foi “uma tentativa desesperada dos que se apegavam à escravidão de deter a marcha do processo abolicionista” (p. 70) e ganhar alguma indenização em troca de escravos que já não mais serviam como mão de obra produtiva.

Faltando apenas três anos para a Lei Áurea, na prática a Abolição já havia sido tomada das mãos do governo pela população civil. De acordo com Costa (1988), a década de 1880 foi marcada pela inevitabilidade da implementação de mudanças. Os mais diversos setores da sociedade protestavam contra a escravidão, especialmente nos centros urbanos.

Na segunda metade da década de 1880, havia se tornado uma prática comum em São Paulo bandos de negros desafiarem as autoridades, arrancarem escravos das mãos dos capitães-do-mato, invadindo trens com o fim de libertar escravos de seus senhores. (…) No Rio de Janeiro, a agitação parecia incontrolável (p. 64-87).

Devido à turbulência política, os escravistas agora buscavam leis que postergassem a emancipação total que se aproximava, respeitando o direito de propriedade e o princípio de indenização.

Os mesmos fazendeiros que haviam inicialmente combatido a Lei do Ventre Livre, em 1885 lutaram arduamente pela aprovação da Lei dos Sexagenários.

A imagem da cultura negra

Figura 28: Contribuições da cultura negra no Brasil.

Apresenta-se a personagem negra mais uma vez como empregada, servindo à patroa branca. Pode-se concluir pelas imagens que cada uma está em seu devido lugar, pois, nas palavras de Alves (2004), “séculos de escravidão e miséria jogaram os negros no alto das favelas e no fundo das cozinhas” (p. 6).

No primeiro quadrinho, a frase “O negro precisa se integrar à sociedade!” parece transferir ao afrodescendente a responsabilidade pela sua não inserção. Em seguida, a “integração” apresentada é relegada às contribuições “exóticas” africanas, chamadas por Costa (1982) de “habitual periferia culinária-folclórica” (1982, p. 23), perpetuando assim a imagem do “negro folclórico”. São omitidas as contribuições africanas no campo da agricultura, da matemática, da navegação, da engenharia, da arquitetura, da medicina.

Atribui-se ao negro brasileiro a responsabilidade pela preservação e difusão da cultura popular, “responsabilidade incômoda, aliás, em cuja delegação pode-se detectar alguns componentes de preconceito incubado” (idem, p. 15). Ao se definir e classificar o negro como guardião dessa cultura, delimita-se também o seu campo de atuação, restringindo-o a esse espaço.

Hardt in Alliez (2000) afirma que “o racismo não mais se apoia em um conceito biológico de raça, e sim nas diferenças culturais, que seriam essencialmente constitutivas da identidade e, portanto, insuperáveis” (p. 363). Segundo essa visão, “seria vão, e até mesmo perigoso, permitir ou impor uma mistura de culturas” (idem, p. 365).  Estabelece-se, assim, uma base teórica igualmente forte para a separação e a segregação sociais:

esse pluralismo aceita todas as diferenças em nossas identidades, sob a condição de concordarmos em agir tendo por base essas diferenças de identidade, preservando-as, assim, como indicadores (…) de separação social (Alliez, 2000, p. 365).

A Lei Áurea

Segundo Salles e Soares (2005), a escravidão em 1888 já estava definitivamente sepultada. A Princesa Isabel assinou uma lei que apenas “sancionava uma situação de fato” (p. 113). No entanto, a revista atribui a esse fato uma dimensão histórica diversa:

Figura 29: A Lei Áurea

Se era só assinar uma lei, o que será que levou a Princesa Isabel a esperar tanto? A revista traz a ideia de que a Abolição foi um ato simples, bastava a princesa ter “pena” dos escravos, trocadilho infame que parece representar o que os autores presumiram ser o sentimento ideal em relação ao negro: piedade.

Quanto à “penada”, afirma Costa (1998, p. 15): “a Lei Áurea abolia a escravidão, mas não o seu legado. Trezentos anos de opressão não se eliminam com uma penada”.

Em 1888, a Lei Áurea apenas atestou o que de fato já era uma causa popular: “a lei vinha, como bem observou mais tarde o presidente da Província de São Paulo, selar um fato consumado” (Costa, 1988, p. 92). De acordo com Salles e Soares (2005), “em 13 de Maio os escravos de fato não eram mais que 400 mil e a perspectiva de liberdade estava cada vez mais a seu alcance” (p. 113).

Segundo Skidmore (1976), em 1872 a porcentagem da população escrava na população total era de 15,2%. Em 1888, essa proporção já havia diminuído a 5%. “Quando veio a Abolição, o Brasil já tinha uma longa experiência com milhões de homens de cor livres” (p. 58). A diminuição da população escrava se devia a diversos fatores, entre eles: à luta dos próprios escravos, à alta dos preços da mão de obra escrava, à campanha abolicionista, à mecanização da produção, à construção de ferrovias e à introdução do trabalho imigrante livre: “Dessa forma, o desenvolvimento do capitalismo do País, criando novas oportunidades e investimentos, tornava a imobilização de capitais em escravos menos atraente do que fora no passado, quando faltavam aquelas alternativas” (Costa, 1988, p. 57).

O ato de abrir mão dos 5% de escravos que inevitavelmente seriam libertos foi uma cartada de mestre da elite branca. Fabricando a ilusão que havia libertado um enorme contingente negro, a classe dominante conseguiu:

No processo de formação-invenção da cidadania brasileira, iniciado após a instituição da República e perpetuado durante o Estado Novo, o Brasil teve o duvidoso mérito de construir e propagar uma imagem de democracia racial. Esse mito preconizava a convivência harmônica entre negros e brancos, sob a suposição de que não haveria discriminação racial no Brasil (Salles; Soares, 2005).

  1. se imortalizar como defensora dos ideais humanistas, criando a base para a ideologia da democracia racial;
  2. se eximir da responsabilidade quanto ao futuro da população negra; e
  3. criar um sentimento de gratidão à Princesa Isabel – apelidada de “redentora” (embora ela apenas tenha “redimido” o nome da família imperial) – por parte da população negra, o que simbolicamente colocou essa pseudoliberdade como dívida à população branca. A elite fundiária foi suficientemente astuta “para perceber que se presidissem ao último ato poderiam conservar em suas mãos o controle político” (Costa, 1988, p. 54).

No entanto, sem indenizações para os ex-escravos, a situação se revelou um abandono à sua própria sorte. Para muitos a Abolição, sem meios para a consecução da liberdade, representou apenas o direito de ser livre para escolher entre a miséria ou a opressão do trabalhador pobre brasileiro: “pode-se dizer que o processo de emancipação do negro não culminou na Abolição. Começou com ela e ainda está longe de se concretizar” (Costa, 1988, p. 12).

Ao contrário da postura passiva atribuída pela ideologia dominante, a população negra lutou desde sempre pela sua liberdade e protagonizou, na ultima década da escravidão, o “maior movimento de desobediência civil de nossa história” (Mattos, 2005). ­­Segundo Costa (1988), “o fator decisivo [à Abolição] foi a insurreição dos escravos (…), o que levou os fazendeiros a ver a Abolição como uma medida necessária ao restabelecimento da ordem” (p. 12-52).

Para essa autora, a maior emancipação conseguida pela Lei Áurea foi “libertar os homens brancos do peso da escravidão e das contradições que existiam entre a escravidão e os princípios liberais adotados pela Nação”, pois “a escravidão era uma instituição ultrapassada, arcaica, símbolo do atraso do País” (p. 15-40).

Racismo com a melhor das intenções

A mobilização popular forçou a emancipação formal. Foi, segundo Costa, uma vitória do povo e uma conquista dos negros livres e escravos; “estes, no entanto, não escreveram a sua história. Por isso ela foi contada por outros” (1988, p. 94). Os livros de história enaltecem as leis abolicionistas, “descritas como dádivas das classes dominantes. Heróis foram os que tinham o privilégio de saber escrever e puderam contar sua própria história” (Costa, 1998, p. 94-95).

A falta de uma política social que incluísse verdadeiramente a população negra se refletiu na transmissão de saberes pela educação, que simplesmente omitia sua participação na história nacional. Como consequência, por desconhecerem a própria importância histórica, os afrodescendentes (incluindo suas crianças) ficaram impossibilitados de se enxergar como indivíduos ou como grupo social positivamente afirmados, pois a promoção da autoestima individual ou coletiva está relacionada “com a história, seja ela de vida ou social, individual ou coletiva” (Romão, in Cavalleiro, 2001, p. 161).

Em relação à criança negra, o conhecimento da história e do grupo étnico a que pertence é fundamental para a avaliação sobre a sua identidade, pois “ninguém nasce com baixa autoestima. Ela é apreendida e resulta das relações sociais e históricas” (Romão, in Cavalleiro, 2001, p. 161).

Se o entendimento do próprio passado é fundamental para a construção de planos futuros de uma determinada coletividade, coloca-se a questão: seria a falta de referência histórica um empecilho à organização e, consequentemente, ao poder de reivindicação dos afrodescendentes no Brasil? Me parece que sim. De acordo com Bazílio e Kramer (2003, p. 111), “trata-se de enormes contingentes populacionais que sistematicamente têm sido expropriados de seus direitos básicos e bens materiais e culturais e que, portanto, não conseguem conhecer e elaborar seu passado”; consequentemente, “ficam excluídos de processos de socialização que lhes permitiriam se ver como sujeitos não só produzidos, mas também produtores de história e de cultura” (Bazílio e Kramer, 2003, p. 111).

Para Santos (apud Trindade; Santos, 2002) os processos de ensino-aprendizagem são diretamente relacionados às relações de poder existentes em nossa sociedade. Portanto, a omissão ou valorização de certos conteúdos seriam reflexo da ideologia que se deseja impingir à população. “Poderíamos afirmar, mesmo, que o desconhecimento da historia é uma forma de se exercer o poder” (p. 83).

Considerações finais

A revista falha ao apresentar dados históricos de forma deturpada e equivocada. O que se defende neste trabalho não é escamotear a triste realidade da escravidão, e sim contextualizá-la, opô-la a imagens positivas e utilizá-la como meio de informação e reflexão para as mudanças necessárias à nossa realidade de desigualdades sociais.

Em virtude dos fatos apresentados, pode-se concluir que todo e qualquer material que direta ou indiretamente envolva fatos relacionados à história negra terá influência direta na autoestima e na forma de se enxergar de toda a população brasileira.

A desigualdade social no Brasil é diretamente relacionada às estruturas de poder fundamentadas na segregação étnico-racial. Segundo Salles e Soares (2005), o racismo e o preconceito racial são “elementos constitutivos e centrais” dessa desigualdade. (p. 132). Portanto, se faz mister um combate ao racismo que envolva concomitantemente os setores do governo, educação, mídia e sociedade.

A ação

Foi enviada ao núcleo de atendimento da Maurício de Sousa Produções uma cópia deste trabalho.

A resposta

Como resposta, obtivemos a carta que está reproduzida na Figura 30:

Figura 30: A carta de resposta

O diálogo se provou frutífero, principalmente pelo reconhecimento, por parte da editora, da necessidade de revisão dos conteúdos. Entretanto, é interessante perceber que as fontes consultadas para a confecção da revista (os livros didáticos) tampouco se colocam a serviço de uma educação democrática.

Ao afirmar “nunca foi a nossa intenção ofender a história afro-brasileira, muito pelo contrário”, a editora reproduz esta que é uma das principais características do racismo brasileiro: a falta de intencionalidade.

Em estudo similar, que veio inspirar a confecção desse trabalho, Nascimento (1993) estabeleceu um diálogo com os autores da cartilha infantil O sonho de Talita, apelidada pelo Movimento Negro de “O pesadelo de Talita”. A obra foi analisada e considerada violentamente racista. Ao ser apresentada aos resultados, a editora saiu-se com a seguinte frase: “Nunca foi intenção da autora e da editora desmerecer os nossos irmãos e o povo negro” (op.cit., p. 53).

Pode-se concluir portanto, que o racismo brasileiro se encontra enraizado em nível inconsciente, pois as atitudes racistas são tomadas sem que os autores tenham consciência e intencionalidade de “ofender” ou “desmerecer” os “irmãos” afro-brasileiros.

Conclusão

Se é verdade que a Ciência contribui para desvelar conhecimentos ocultos, também o é que, encerrada nas bibliotecas das universidades, sua função social se esteriliza. Acredito que a teorização acadêmica, principal mas não exclusivamente em Ciências Humanas, deve ser colocada a serviço da humanidade.

Este trabalho não é pró-negro, é pró-humanidade, pois qualquer tipo de discriminação, independente se de raça, religião, sexo ou qualquer outro motivo, fere a humanidade como um todo.

Talvez tenha sido este trabalho um passo inicial para que Mônica venha a ser a nossa futura Mafalda.

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