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A roda de capoeira foi declarada no dia 26 de novembro de 2014 em Paris como Patrimônio cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Esse título de reconhecimento é muito importante para a cultura afro-brasileira.

Comemorando esse reconhecimento o Sr. Roberto Chaves, fundador do “Lavagem da Madeleine”, realizou no dia 06 de setembro de 2017, no anexo da sede da UNESCO em Paris, a entrega de certificados aos Mestres de Capoeira e dos dossiês do REGISTRO da Capoeira como Patrimônio Imaterial do Brasil.

O evento foi muito emocionante tendo relatos e agradecimentos pessoais dos capoeiristas. Entrega dos certificados de reconhecimentos pelo trabalho dos capoeiristas foi feita pela embaixadora do Brasil na França a exma. Sra. Maria Edileuza Fontenele Reis.

Vídeos no YouTube (sem edição): 

https://www.youtube.com/watch?v=Q8WpyTO75XY&list=PLmY1Bp-_fXhD7I7OWhTlkVa0AKKFY4SPC

Fotos e texto: Louisa Monteiro

Eventos Brasileiros na Europa

 

 

Nesta semana viralizou um vídeo em que um mestre de Capoeira, em pleno evento feminino, suspende no ar uma capoeirista e beija suas nádegas.

Ao colocá-la no chão, recebe uma cotovelada e um tapa, revidando imediatamente com um chute que a joga longe.

Todos os elementos de uma notícia bombástica estão ali: exposição pública do corpo feminino, violência gratuita, covardia e um terreno fértil para o esporte preferido dos tablóides sensacionalistas: fofoca.

Teria sido lindo se algum capoeirista presente, QUALQUER UM, independentemente de gênero, idade ou tempo de Capoeira, tivesse entrado na roda e gritado: “Iê! Parou!” e dito: “Enquanto não se discutir o absurdo da situação que houve aqui não tem cabimento continuar a roda!” e aberto uma roda de conversas para debater a questão, expondo o ridículo do ato impróprio. Se a roda é de todos, todos são responsáveis.

Mas isso não aconteceu. Nunca acontece. A indignação vem depois, via facebook.

Quantas vezes não vimos situações de opressão ou de violência muito parecidas com essa, em que ninguém falou nada?

Três coisas me chamam a atenção nesta roda:

  1. A normalização da violência contra a mulher: o corpo da mulher é historicamente explorado pelos homens, que se sentem no direito de fazer com ele o que bem entendem, ao ponto do tal mestre se sentir no direito de beijar a bunda da sua oponente e ninguém parar a roda para falar nada.
  2. A normalização da violência na Capoeira: uma roda de confraternização tem um jogo onde após uma suspendida, uma cotovelada, um tapa e uma bicuda ninguém para a roda para falar nada.
  3. A normalização da violência discursiva: um bombardeio de comentários que incitam ainda mais a violência se espalham como fogo no facebook. Todos falamos muito.

VIOLÊNCIA

O tal mestre provavelmente foi convidado para o evento e certamente não foi a primeira vez que resolveu mostrar toda sua valentia. Sobram dúvidas: quem o convidou? Por que ninguém falou nada? Por quê não se parou a roda?

O cara errou. Errou feio. Errou de um jeito que nunca mais vai errar. Qualquer tipo de violência contra uma mulher deve ser reprimida. Ponto final. Não há o que relativizar.

Mas cooommooo isssoo foi aconteceeeer??? Uma dúvida: será que ele é tããããooooo diferente dos demais capoeiristas que estavam ali? Ou de todos nós?

O cara está sendo execrado e linchado publicamente, recebendo dezenas de ameaças dos valentões do facebook, que lhe enviam convites virtuais para visitar suas rodas e resolver as coisas do jeito Maçaranduba de ser.

Nos comentários do vídeo aparecem homens-machos-masculinos super interessantes, dizendo: “Se fosse minha irmã eu quebrava no pau” ou “Ela é namorada de alguém! Merece respeito”.

Amigo, olha só: se porrada resolvesse e educasse, a cadeia tava cheia de gente educada e regenerada. Não adianta querer ensinar o cidadão que violentou com a mesma moeda da violência. Na política do olho por olho, todos terminam cegos. E não, não é porque ela é namorada ou irmã de alguém que o beijo na bunda foi desrespeitoso, ok?! É desrespeitoso porque foi uma opressão e ponto final.

MORALISMO

O curioso é que de repente aparece um monte de guardiões da moral, todos super revoltados, como se o distinto cidadão que fez o ato tivesse vindo de outro planeta ou de outra arte qualquer. Ele era um marciano praticante de yoga tântrica? Não. É um capoeirista como tantos outros que saiu do seu país para tentar a sorte em terras estrangeiras, levando consigo o seu título de mestre de Capoeira e sua vivência pessoal de ser fruto de uma cultura machista e violenta. O beijo, o chute, o tapa, a cotovelada e todo o resto da cena não se deu numa arte distante de um país desconhecido. Pelo contrário, a cena é bem comum na Capoeira e no Brasil em geral, com algumas variáveis. Na resolução de conflitos da Capoeira, o machismo e a violência são regra, não exceção.

O QUE EU TENHO EM COMUM COM ELE?

É só dar uma breve pesquisa e você vai ver que tem muitos, mas muitos amigos em comum com ele no facebook. Surpreso? Não deveria. Saiba que entre os seus amigos há misóginos, homofóbicos, racistas e imbecis de todas as categorias. Como somos produto do meio, isso quer dizer alguma coisa sobre nós mesmos…

É bem mais fácil xingar o vacilão do que pensar que ele tem mãe, esposa, filha; que tem um mestre de Capoeira; que tem alunos; que é mais um representante da Capoeira na Europa, que já apareceu até no Luciano Huck (pesquisa aí no Youtube)… Que na verdade, ele é muito parecido com o espelho que temos em casa.

EU NÃO SOU MACHISTA! ELE É QUE É!

Todos contra o machismo! Será mesmo? Amigo guardião da moral: não é você que se irrita com a forma de sua namorada de se vestir? Não é você que sempre que vê uma mulher na rua se sente no direito de dizer um “pssssiiiiuuuu”? Não é você que no meio de um evento de Capoeira começa a puxar papo torto com garotas que não te deram abertura para isso? Não é você que chega num curso de Capoeira já contando as horas para o momento de relax onde você vai tentar dar em cima das alunas? Não é você que confunde a admiração de uma mulher pela sua Capoeira com interesse sexual pelos seus atributos físicos? Não é você que é casado com uma capoeirista mas faz questão de que todo mundo saiba que você é pegador sinistrão cheio de amantes?

Quem nunca viu um mestre ou um futuro mestre de Capoeira ser inconveniente com mulheres, seja na roda, seja nos comentários, seja no samba ou nas festas?

A ideia de que o capoeirista tem que ser “pegador” faz parte em grande parte do nosso meio. Assédio sexual na Capoeira é quase sempre jogado para baixo dos panos, com as mulheres tendo que se afastar e sendo constantemente colocadas à prova ao se esquivarem dos ataques físicos que são piores fora da roda do que dentro dela.

Será que não chegou a hora dos capoeiristas homens refletirem mais seriamente sobre suas próprias ações? Será que somos tão diferentes assim do agressor em questão?

SEXO

Uma musiquinha tirada a engraçadinha era cantada até pouco tempo nas rodas de Capoeira e ainda pode ser encontrada nos sites de letras:

De um tempo para cá a coisa melhorou. Pelo menos não se ouve este tipo de imbecilidade na maioria das rodas, mas a sexualização continua sendo parte integrante da nossa cultura. Por exemplo, quando colocamos a palavra “Capoeira” no Youtube qual é o vídeo com recorde de visualizações? Mestre Bimba? Mestre Pastinha?

Não. O primeiro é este, com mais de 22 MILHÕES de visualizações

Quando se liga o vídeo não há nada de Capoeira e sim uma cena de samba. Será que isso quer dizer algo?

A figura feminina faz parte constante dos papos de bar pós-roda. “Comi essa, essa e aquela”, “Viu aquela gostosa de abadá coladinho?”, “Vai ter muita mulher no evento de beltrano?”

Quando as mulheres reclamam do machismo elas são vistas como “exageradas” ou então “estão de mi-mi-mi”.

Neste meio tempo um indivíduo se sente na liberdade de beijar a bunda da oponente na roda, assim como outro se sente na liberdade de chamá-la de “gostooosssaaa” na esquina ou mandar o clássico “te chupo toda” no meio da rua.

VIOLÊNCIA

Seguindo nas buscas do Youtube, chegamos em vídeos deste tipo. Os mais de 2 milhões de visualizações em um ano não dizem nada sobre nós? Sobre o que valorizamos?

Agora, sempre que aparece algum capoeirista desmaiando um adolescente numa roda ou bicando uma mulher num evento brota pacifista de todos os cantos.

Amigo pacifista: não é você que acha maneirão tatuar a testa do ladrão de bicicleta? Não é você que vota em quem diz que “bandido bom é bandido morto”? Que prefere ter filho morto do que gay? Que incita os alunos a darem chutes sem controle, tapas na cara e quedas de wrestling? Não é você que que quando alguém se machuca na roda é o primeiro a dizer: “Deu mole! Se estivesse treinando mais isso não acontecia”?

Não é você que incentiva uma Capoeira cheia de “raça”, “guerreira”, “pronta para tudo”?

Um pouco mais de bom-senso faz bem para todo mundo: não se deveria suspender ninguém numa roda de Capoeira. Tampouco dar um tapa na cara e uma cotovelada, muito menos bicar a caixa torácica de uma pessoa com metade do seu peso. Beijar as nádegas é apenas mais um ato surreal num festival de anomalias que longe de serem alienígenas, dizem muito de nós mesmos.

Se começarem a tatuar cada um dos vacilos que vemos na Capoeira vai faltar testa e tinta…

FOFOCA

Diariamente são postados centenas de vídeos e textos interessantes sobre cultura, política, corpo e outros assuntos super interessantes à Capoeira. No entanto, vídeos escandalosos e mensagens de fofoca fazem mais sucesso. Basta postar algo como: “Tem muito capoeirista comprando seu título de Mestre” ou “Olhe o trabalho de beltrano: isso não é Capoeira!” para se ganhar uma visibilidade baseada na fofoca. Quem nunca viu um mestre de Capoeira que passa a maior parte do seu tempo falando mal do trabalho dos outros?

Essa é a cultura da fofoca, mas isso é assunto para um próximo post! Por hoje é só!

Axé!

Mestre Ferradura

PS – Compartilhe este post e comente suas ideias! Se você gostou ou se você acha que estou de “mi-mi-mi”, diga aí e marque os amigos para debatermos juntos!

Omri Ferradura Breda

Mestre de Capoeira e pedagogo

O objetivo deste trabalho é analisar como são transmitidas pela mídia e pela escola informações relativas à história afro-brasileira, especialmente à Abolição da Escravatura, e suas implicações nas identidades dos estudantes.

Devido à extensão do tema, recorri a diversos autores, privilegiando, no entanto, os estudos de Emilia Viotti da Costa, Elisa Larkin Nascimento, Ricardo Franklin Ferreira e Thomas Skidmore, por considerar seus trabalhos relevantes nas áreas de Ciências Sociais, Educação, Psicologia e História.

Ao lado da pesquisa bibliográfica, houve ao longo do trabalho preocupação em interferir na realidade, estabelecendo um diálogo com os autores do principal objeto de estudo analisado: a edição especial da revista Turma da Mônica – coleção Você Sabia?, nº 2, da Editora Globo, intitulada “A Abolição dos Escravos”. A revista é consumida por crianças e jovens de diversas faixas etárias e camadas sociais em todo o território nacional.

Livros com conteúdo educacional, porém não oficializados pelo MEC.

A coleção Você sabia? se propõe a ser uma fonte de informação lúdica, que facilite o aprendizado de certos feitos históricos nacionais, como o “Descobrimento” e a “Independência”. Por seu caráter supostamente educativo, definido pela editora como “ferramenta lúdica de apoio educacional”, pode ser encarada como um recurso paradidático, que o professor poderia utilizar para suscitar o interesse dos alunos por determinado tema em sala de aula.

Observou-se que um enfoque eurocêntrico e veladamente racista foi utilizado na apresentação dos conteúdos relativos à história afro-brasileira. A revista, no entanto, alegadamente se propõe a ser um veículo de valorização dessa mesma história. Conclui-se, portanto, que mesmo uma atitude teoricamente bem-intencionada em relação à questão racial brasileira, quando tratada de forma superficial, pode se provar infrutífera e contraproducente, estimulando de forma ingênua justamente aquilo que se propõe a combater.

O termo “negro” foi utilizado pelo dominador europeu para esvaziar a identidade dos diversos povos africanos escravizados, homogeneizando-os. Porém, ao longo deste trabalho será também utilizado na forma como foi ressignificado pelo movimento negro: uma identificação positiva, com os valores étnicos dos afrodescendentes (Ferreira, 2000, p. 81). “Mesmo reconhecendo as limitações advindas de assumirmos categorias raciais como “branco” e “negro”, tais classificações foram utilizadas, pois, se não for à ‘raça’, a que atribuir as discriminações que somente se tornam inteligíveis pela idéia de ‘raça’?” (Guimarães, 1999a, p. 24).

A mídia, os livros didáticos e os paradidáticos são fontes disseminadoras de informação e valores. No entanto, a transmissão destes é baseada numa ideologia muitas vezes sem que os autores se apercebam disto. Para ilustrar esse fato, foi feita uma breve análise das representações sociais do negro utilizadas em histórias em quadrinhos no século XX. Avaliamos o impacto que essas representações podem ter na identidade e na autoestima das crianças brasileiras.

O trabalho não se propõe a ser uma pesquisa imparcial, baseada numa pseudoneutralidade científica impossível de ser atingida nas Ciências Humanas. Segundo Ferreira (2000) e Freire (1996), é importante que o trabalho em ciência politicamente comprometido parta de situações existenciais que tenham tocado emocionalmente o pesquisador, de modo que este recuse a neutralidade, passando a “elaborar trabalhos cada vez mais diretamente comprometidos com a melhora da condição humana” (Ferreira, 2000, p. 19-61). Nas palavras de Freire (1996): “daí o meu nenhum interesse de (…) assumir um ar de observador imparcial, objetivo, seguro, dos fatos e dos acontecimentos (…). Quem observa o faz de um certo ponto de vista, o que não situa o observador em erro” (1996, p. 14).

A subjetividade do pesquisador deve ser considerada uma das variáveis a influenciar os rumos da pesquisa. A motivação principal que me levou à elaboração deste trabalho foi a indignação sentida ao analisar a revista citada e perceber que tal material foi impresso e distribuído em todo o país. Levando em conta o cenário de desigualdade social/racial existente no Brasil, fazem-se necessárias medidas e estudos que combatam esse mal e tentem, de alguma forma, reverter esse quadro.

Representação social do negro em histórias em quadrinhos – HQs

As HQs, como são chamadas pelos fãs, pelo custo reduzido e facilidade de leitura, são para muitos a única fonte de leitura acessível. Tradicionalmente, tendem a representar a ideologia vigente na época em que são editadas. Dessa forma, os personagens, a linha narrativa e, principalmente, as gravuras podem servir como termômetro dos valores e da ideologia de determinado momento histórico.

Tarzan – 1912

Criado por Edgar Rice Burroughs, filho do inglês Lorde Greystoke e sua esposa, Lady Alice, Tarzan representava o imaginário do imperialismo europeu na África. O “Rei dos Macacos” era a única pessoa branca no meio da exótica selva africana, portanto era justo que recebesse o titulo de “Rei”. A imagem que se expunha era a de que no continente africano só habitavam macacos ou seres humanos próximos destes na escala evolutiva.

  
Figuras 1 e 2: O personagem branco sempre em vantagem.

Tintin – 1931

Personagem de Hergé, Tintin apresentava a visão ingênua do bom europeu em visita à África. O colonialismo e o imperialismo da época se refletem em imagens estereotipadas, como esta:

Figura 3: A África no imaginário europeu.

Mandrake – 1934

Criado por Lee Falk, o personagem se fazia acompanhar de Lothar, um príncipe africano que havia trocado seu reino e o título de “Príncipe de Sete Nações” para viver como capataz de seu “patrão”:

Figura 4: Lothar é o serviçal de Mandrake. “No início da série, ele era um escravo negro que chamava Mandrake “mestre”. Com o tempo, mentalidade evoluindo, passa a chamá-lo de “patrão”, termo um pouco menos racista” (www.bdoubliees.com, acesso em 17/06/2006).

Apesar de constantemente salvar Mandrake de situações de risco e de ser apresentado como seu amigo e braço direito, Lothar sempre aparecia nas gravuras atrás de Mandrake. Até porque essa era sua função.

   

Figuras 5 e 6: “A presença de Lothar, com seu enorme corpanzil negro, só tinha a finalidade de destacar Mandrake graficamente” (www.arcadovelho.com.br, acesso em 17/06/2006).

Fantasma -1936

Das mãos do mesmo autor, surgiu O Fantasma. O personagem, de linhagem britânica nobre, vivia na África, sendo sempre representado como modelo de civilização e ordem para os chamados povos selvagens.

Figura 7: “Ele atende às tribos locais sentado num trono, com caveiras esculpidas nas pontas!” (www.universohq.com, acesso em 17/06/2006).

Figuras 8 e 9: “Dá medo ver o Fantasma enfurecido”; “O Fantasma é violento com os violentos” – ditados da selva (www.universohq.com.br, acesso em 17/06/2006).

Segundo Galvão (on-line),

o Fantasma perdeu força simplesmente porque a África não existe mais no imaginário mundial. Na década de 1930 ainda era o continente negro, cheio de mistério e animais enormes, e gigantes Masai e anões pigmeus. Os safáris eram chiques.

Hoje a África não tem mistério nenhum. Tem tutsis e hutus massacrando-se uns aos outros, tem a África do Sul recuperando-se do apartheid, tem a Libéria e a Somália, tem o Ebola e uma população miserável condenada a morrer de Aids. Quando dizemos que a África é selvagem, certamente não é no mesmo sentido que dizíamos há um século.

No trecho citado, o autor retrata a decadência do modo colonial de enxergar a África e a ascensão da imagem atual do continente. Ambas as visões são depreciativas, assim como as gravuras expostas. Os personagens brancos são valorizados em detrimento dos personagens negros.

Todos os heróis tinham em comum, além da descendência europeia, uma relação no máximo paternalista com os africanos, apresentados graficamente sempre em um nível imagético abaixo ou atrás dos protagonistas.

Sendo os autores de origem branco-europeia e vivendo em países de população majoritariamente branca, não é de se surpreender que refletissem os preconceitos e a imagem colonialista da época.

O Brasil é o segundo maior país de população negra do mundo, ficando apenas atrás da Nigéria (Guimarães, 1999b). É de se supor, portanto, que essas imagens oferecidas aos jovens brasileiros reforçassem um ideal de ego branco, desvalorizando a riqueza da pluralidade étnica do país. Só recentemente teve início um movimento de valorização da cultura afro-brasileira na mídia e no meio educacional.

Mídia, livros didáticos e paradidáticos

No que se refere a mídia, é uma instância formadora de opinião por excelência, extremamente ideológica, que tende a reproduzir os valores da classe que adquire os produtos anunciados em seus comerciais.

Lima (apud Ferreira, 2000) afirma: “Na mídia, o segmento negro tem sido representado por uma imagem estereotipada, na qual os afrodescendentes são mostrados frequentemente em posição subalterna em relação ao branco” (p. 43).

Nos últimos anos, a crescente mobilização da população negra fez o mercado perceber a necessidade de se afinar com esse novo consumidor, reproduzindo em revistas, jornais e programas de TV personagens negras em papéis diferentes dos “clássicos”: empregada doméstica, manobrista, ladrão. Há alguns anos, seria inimaginável um personagem negro protagonizar algum programa de TV ou filme. Nos anos 1970, ficou famoso o caso do ator Sérgio Cardoso, ator branco pintado de preto para viver o protagonista na novela A cabana do Pai Tomás. De lá pra cá, as emissoras têm procurado se adaptar aos novos tempos. Como o negro agora consome, deve ser retratado dessa maneira.

Nesse novo cenário surgem então iniciativas de “resgate e valorização” da cultura e da história negras, entre elas edições de revistas voltadas para o público jovem. Porém algumas perguntas se fazem pertinentes: qual o critério utilizado para determinar o que deve ser “resgatado e valorizado”? Em quais valores as informações são baseadas? Quais são os pressupostos ideológicos envolvidos? E, principalmente, qual a extensão da transformação pretendida com a difusão de certos saberes e omissão de outros, ou seja, até que ponto se pretende “mexer na ferida”?

Além da mídia, os livros didáticos, pela sua abrangência e importância para professores e alunos, estão na ordem do dia em se tratando de preconceito.

Tradicionalmente, esses livros têm sido disseminadores de discriminações diversas. No tocante à população afro-brasileira, a primeira imagem de personagens negros em livros didáticos é em situações a-históricas, posto que não se apresenta a História pré-colonial africana, em sua riqueza e diversidade. Os africanos de diversas origens são chamados pelos nomes genéricos de “negro” ou “escravo”, e sua cultura é apresentada como selvagem. As fotos ou gravuras em que aparecem são sempre relacionadas à escravidão ou a papéis subalternos na sociedade moderna, como faxineira ou porteiro. Segundo Silva (2002),

a primeira representação que a criança negra tem de si na escola a projeta como escrava, sujeito passivo da história, escravizada e, num ato de indulgência dos brancos, libertada. Não há feitos gloriosos dos seus antepassados, não há heróis negros, a religião dos negros é tratada como fetiche, a semântica da palavra negro ou preto é empregada como sinônimo de algo ruim, depreciativo (p. 68).

A população branco-europeia tem sua imagem e seus valores constantemente valorizados. Isso contribui para a formação de uma cultura veladamente racista, posto que se funda em estereótipos aceitos tácita e inconscientemente pela população. De acordo com Ferreira (2000),

apesar de [na escola] nem sempre haver uma hostilidade declarada contra a criança afrodescendente, há uma consistente valorização dos valores branco-europeus, de forma a favorecer, nas crianças, a identificação com os ideais do grupo dominante branco (p. 70).

Do ponto de vista da criança negra (principalmente da criança negra pobre), seu passado não tem nada a ser valorizado. A escola, ao adotar uma postura conformada com o status quo, acaba por ser uma instância de opressão contribuidora para o preconceito.

Os valores que estigmatizam a população negra são confirmados pela educação, em ações e omissões que tendem a relacionar a posição econômica desvantajosa dessa população a uma suposta incapacidade inata de ascender socialmente. Quando esses valores são introjetados pelo oprimido, sua condição presente de inferioridade econômica é justificada (Freire, 1987; Ferreira, 2000). Como consequência cruel,

a cor de pele e as características fenotípicas acabam operando como referências que associam de forma inseparável raça e condição social, o que leva ao afrodescendente a introjeção de um julgamento de inferioridade, não somente quanto ao aspecto racial, mas também em relação às condições socioeconômicas, implicando o favorecimento de uma concentração racial de renda, de prestígio social e de poder por parte do grupo dominante (Souza, apud Ferreira, 2000, p. 41-42, grifo nosso).

Quanto aos livros didáticos, se faz mister reconhecer que nos últimos anos a situação se alterou. Desde a implementação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD/MEC) dezenas de livros são vetados anualmente. As editoras passaram a ser mais criteriosas e o nível das edições melhorou. Essa política vai ao encontro dos anseios da população brasileira e das reivindicações antigas do Movimento Negro (Nascimento, 1993). Ainda assim, de acordo com Santos (apud Trindade; Santos, 2002), “vários volumes constantes do Programa Nacional do Livro Didático estão muito distantes de uma análise menos estereotipada e conservadora da história” (p. 79). Esse autor, em artigo sobre o ensino de História, levanta a questão: “como interessar-se pela historia brasileira, se esta é contada a partir da perspectiva das classes dominantes, dos vencedores e dos detentores do poder?” (p. 82).

Coelhadas na Abolição

Nossa análise foi feita sobre a edição especial da revista Turma da Mônica cujo título é “Abolição dos Escravos”. Acredito que a história tenha sido baseada em informações históricas rasas, tratadas de forma superficial e preconceituosa. Pululam nas páginas exemplos repetidos de preconceito explícito. A ideologia racista permeia explicitamente o livro.

No ano de edição da revista, 2002, já havia no mercado diversos livros de História do Brasil revisada, o que indica que, se as informações preconceituosas não foram intencionalmente reproduzidas, ao menos a editora não se preocupou em pesquisar fontes modernas nem em ter uma postura crítica e reflexiva, comprometida com a mudança.

A figura do homem negro é representada em dezenas de imagens negativas: sofrendo, trabalhando acorrentado, sendo castigado. Em 44 imagens em que aparecem personagens negros, somente seis os apresentam em liberdade. Destas, duas se passam dentro do contexto da escravidão, em situação de fuga ou em lembrança de um passado fora do cativeiro. São 40 imagens negativas e estereotipadas para quatro positivas, ou seja, 90% da obra reforçam a condição de inferioridade da população afrodescendente.

Tabela 1: Classificação das imagens em que personagens negros aparecem representados negativamente

Aprisionados 5 imagens
Castigados 5 imagens
Apavorados 6 imagens
Em trabalhos forçados 9 imagens
Livres, porém esfarrapados/em ferros 13 imagens

A revista acerta ao apresentar com precisão a extensão dos danos feitos à população afrodescendente, mas não equilibra essa relação com imagens positivas das lutas protagonizadas por ela. Acredito que, dessa forma, inutiliza suas boas intenções e não alcança seu potencial social.

Pela pouca seriedade dada ao tema, é de se supor que os demais livros da coleção também sejam reprodutores da História oficial, dirigida por uma visão eurocêntrica e ufanista.

Seria preciso reproduzir as dezenas de imagens negativas para dar a real dimensão do que está sendo descrito; porém optou-se por destacar os exemplos de preconceito mais explícitos da revista:

Figura 10: A capa.

Temos a seguinte imagem: muitas pessoas felizes, comemorando a assinatura da Lei Áurea, exibida com alegria pela Princesa Isabel. Entre elas destaca-se um homem negro seminu, com os resquícios das correntes ainda nas mãos e radiante de alegria. Todos os outros estão vestidos. Como poderia estar ele tão feliz apesar das argolas de ferro que machucavam seus punhos e de sua situação desfavorável na sociedade?

É claro que se trata de uma alegoria, mas não podem ser deixados de lado os efeitos nocivos dessa imagem no inconsciente coletivo e, especialmente, na autoimagem das crianças negras que, dessa forma, se veem retratadas nas bancas de jornal de todo o país.

No início da revista, José do Patrocínio, personagem da história, está contando à Mônica sobre o tráfico de africanos, quando salienta:

Figura 11: O tráfico negreiro feito por africanos.

Por que “pior ainda”? O europeu escravizando é melhor? Ou menos pior? A imagem ainda apresenta o vendedor supostamente “traindo seus irmãos de cor” por uma ninharia. Reforçam-se aí três estereótipos: o negro objeto, o negro traidor e o negro burro!

A frase ainda escamoteia a verdade ao tentar passar a imagem de que existia um povo negro, e não diversas nações, muitas vezes inimigas históricas, que lutavam entre si, assim como ingleses, franceses e alemães – que nem por isso são apresentados como “traidores da raça branca”.

Segundo Romão (in Cavelleiro, 2001),

se é possível compreender que os brancos possuem entre si diferenças determinadas pelas existentes em um grande continente, não é possível observar este fenômeno quando, na escola, se fala dos (…) africanos. São tratados como se fossem todos iguais (p. 163).

Na escola, as diversas culturas africanas são tratadas indistintamente, as línguas reduzidas a dialetos tribais e as religiões a seitas (quando não “rituais satânicos”). Omitindo-se a diversidade, omite-se também o fato de que na África floresciam os mais diferentes conhecimentos artísticos e tecnológicos, adaptados às necessidades e ao modo de vida de cada uma de suas sociedades.

Generalizações e simplificações são recorrentes quando se trata de questões ligadas à cultura negra. Ou alguém já ouviu uma frase do tipo “os europeus falavam o dialeto europeu, viviam todos em um só reino e iam todos à Igreja Católica Apostólica Romana aos domingos”? É claro que não! Aprendemos na escola as diferenças entre Inglaterra, França, Portugal, Espanha. Sabemos da Reforma Protestante, das revoluções cientificas e até os nomes das caravelas de Cabral! Por que então não aprendemos nada sobre os Ashanti, os Bantus, os diversos reinos e civilizações africanas? Por que esse conhecimento é negado aos estudantes e aos professores brasileiros? Reduzir e homogeneizar são formas de uma estratégia velada de dominação, em que um dos objetivos é diminuir a curiosidade dos educandos em relação à sua história.

Um dos lemas da ideologia racista reforçada na revista poderia ser resumido na frase: “na África já existia escravidão muito antes da chegada do europeu”. Verdade. Assim como existia escravidão também em Roma e na Grécia, propaladas como a base da civilização e da democracia. Também na Europa, durante toda a Idade Média, a maior parte da população vivia em condições de servilismo similares à escravidão. O modo de produção capitalista veio alterar esse cenário, transformando a população pobre em “escravos assalariados”.

A escravidão na África era de natureza diversa da que o colonizador europeu instituiu nas Américas. O escravo africano muitas vezes se encontrava naquela condição por razões de guerra ou de dívida. O indivíduo mantinha seu nome e sua identidade. Muitas vezes essa escravidão era um momento transitório, e não raro acabava em casamento com algum membro do clã familiar, passando então a membro da nova comunidade.

O europeu trouxe consigo o advento da desumanização: o escravo deixava de ser humano para se transformar em objeto, perdia seu passado e sua identidade, sua língua e sua religião; perdia seu nome e passava a ser conhecido pelo sobrenome do dono da fazenda que o adquiria. Isso era inédito nas relações escravistas africanas, e foi uma semente nociva com consequências funestas até nossos dias.

A frase reproduzida na revista – “Pior ainda é o fato de que negros vendem negros” – é não mais que uma ridícula tentativa de justificar o injustificável! As pessoas que repetem essa baboseira do senso comum racista não se dão conta de que “brancos queimavam brancos” na fogueira durante a Santa Inquisição, em nome de Deus! Os horrores cometidos pela Igreja são condenados. No entanto, os inquisidores jamais são julgados pela cor de sua pele.

Inimigos matam e praticam todo tipo de ato vil contra seus oponentes desde que o mundo é mundo, independente da cor da pele. Por que então se acusa o “negro de vender negro”? Simples: porque foi bem-sucedida a empreitada europeia de diluir a identidade dos diversos povos africanos em um único e uniforme bloco, o dos “negros”. Dessa forma, não são observadas as particularidades de cada nação e, baseando-se nas guerras interafricanas, justificam-se os genocídios praticados pelo europeu no continente africano.

Ainda há na Figura 11 uma peculiaridade: a mulher presa usa saia de palha (provavelmente para parecer africana), porém a blusa é ocidental-moderna e o pano na cabeça remete a uma empregada doméstica brasileira.

A história continua:

Figuras 12 e 13: O destino da carga humana

Entre figuras de homens e mulheres negros sendo vendidos, marcados com ferro quente, empilhados no porão, todas reforçando sua condição inferior, encontramos a primeira e uma das únicas imagens do negro em liberdade, ainda que só na lembrança:

Figura 14: O estereótipo do rei africano

Pode-se perceber a semelhança entre o vestuário do personagem da Figura 14 com o “traidor da raça” da Figura 11 e o da negra da Figura 13. A imagem que fica é de que todo africano ou se veste com folhas ou com panos brancos.

Passatempos

Como de costume, nas revistas da Mônica, há uma seção de passatempos no interior da edição. É sabido que a atividade lúdica facilita a aprendizagem dos conteúdos e reforça valores. Penso que exatamente por isso a revista é mais perniciosa do que um material declaradamente racista, pois age em nível inconsciente, reforçando valores que estigmatizam a população negra como inferior.

Figura 15: Os personagens “em ordem de importância”.

Nesta página são apresentados os personagens da Abolição. Podemos reparar que o papel dos afrodescendentes, apresentados convenientemente ao final da página, é reduzido a “escravos libertos”, felizes da vida (apesar das correntes).

Nesta outra página, Jeremias, personagem negro, aparece como navegador europeu, encorajando o leitor a distribuir as palavras que a editora julgou serem as mais relevantes em relação à Abolição.

Figura 16: Onde estão as palavras Zumbi, luta, quilombos?

Na figura seguinte há um mapa. Os diversos povos africanos poderiam ter sido representados graficamente. No entanto, a África é apresentada como bloco único e uniforme.

Figura 17: A Europa é um continente e Portugal, um país. E a África?

A próxima atividade levanta uma questão: se Jeremias é representado como europeu, por que então não se pensou em apresentar o personagem Anjinho – obviamente loiro de olhos azuis – como africano?

Figura 18: Os personagens estão rindo do quê?

Na primeira atividade, insinua-se que foram necessárias somente leis para “libertar os escravos”, negligenciando as lutas deles por sua própria libertação.

Na segunda atividade da mesma página, utiliza-se o conceito de “raça”, junto com as palavras “negro” e “escravo”. Associando as três, podemos ter como combinações: “a raça do escravo é negra”; “o escravo é da raça negra”; “a raça negra é escrava”.

A palavra “escravo”, no inconsciente coletivo brasileiro, remete não aos judeus no Egito ou aos romanos no Coliseu; e sim à população negra escravizada. A atividade proposta apenas reforça esse já tão arraigado conceito.

A seguir há um jogo dos sete erros:

Figura 19: O oitavo erro foi apresentar a princesa “boazinha” – obviamente em um nível imagético acima dos “passivos e felizes negros” – acabando com a escravidão com uma “penada”.

As meninas negras estão vestidas como empregadas domésticas (assim como as demais personagens negras) e a branca, de princesa.

A repetição de imagens estereotipadas pode gerar nas crianças negras um sentimento de inferioridade, resultando

em rejeição e negação dos seus valores culturais e preferência pela estética e valores culturais dos grupos sociais valorizados nas representações. (…) As denominações e associações negativas à cor preta podem levar as crianças negras, por associação, a sentir horror à sua pele negra (Silva, in Munanga, 2001, p. 16-24).

Ao contrário das demais imagens, em que adultos são representados, esta apresenta crianças; portanto, a rejeição ou identificação é imediata. Como a imagem da criança branca é valorizada e a da criança negra é apresentada numa situação de inferioridade, existe a possibilidade de, “internalizando uma imagem negativa de si próprio e uma imagem positiva do outro, o indivíduo estigmatizado (…) procurar aproximar-se em tudo do individuo estereotipado positivamente” (Silva, apud Munanga, 2001, p. 16-24).

Em contrapartida ao sentimento de inferioridade, a estereotipia das imagens pode gerar nas crianças brancas outro sentimento tão nocivo quanto: o de superioridade. Esse estado patológico provoca danos na forma como as crianças enxergam a si e ao mundo, pois, de acordo com Ferreira (2000), “é condição importante para a saúde psicológica ter-se um senso positivo de si mesmo como membro de um grupo do qual se é participante, sem nenhuma ideia de superioridade ou inferioridade” (p. 68).

No Brasil, essas relações dicotômicas indicam uma distorção social no que se refere a identidade, uma vez que, em uma sociedade miscigenada como a brasileira, o ideal valorizado é o branco-europeu.

Ainda segundo Ferreira (2000), a identidade é a

maneira como o individuo constrói suas referências de mundo (…), as referências em torno das quais ele organiza a si mesmo e a sua relação com o mundo, coletivamente compartilhadas, tanto no nível consciente quanto inconsciente.(…) a identidade é uma referência em torno da qual a pessoa se constitui (grifo do autor) (p. 45-47).

Crianças que não se veem representadas positivamente tendem a criar uma identidade baseada em valores estigmatizados, impossibilitando-as, dessa forma, a “alterar situações de discriminação por meio de atitudes afirmativas quanto às especificidades raciais” (Souza, apud Ferreira, 2000, p. 41).

A continuação da história apresenta os castigos e a resistência negra:

Figura 20: “Quando é rebelde”, por que não “quando luta pela sua liberdade”?

Falando sobre os quilombos

Figuras 21, 22 e 23: Apesar de apresentar de forma romântica e ingênua a vida nos quilombos, essa é a única parte, em 33 páginas, em que o homem negro é apresentado vivendo em liberdade.

Leis abolicionistas

A escola brasileira ensina e a mídia reafirma, de forma bastante reduzida, que as leis abolicionistas foram de grande importância para a melhora das condições de vida da população negra, quando não benesses concedidas pelos donos do poder. A revista trata das leis abolicionistas reproduzindo esses conceitos em imagens deturpadas e reprodutoras da História oficial.

Por estas afirmações falaciosas serem tão repetidas e pelo seu valor simbólico no imaginário coletivo, é fundamental saber redimensionar sua real importância. O objetivo de estudar as leis é tentar compreender por que sua transmissão segue sendo repetida de forma deturpada nas escolas e na mídia brasileiras. Se é verdade, segundo Freire (1996) e Focault (2004), que qualquer estudo deve ser feito levando em conta a ideologia de quem o sistematiza ou o reproduz, a serviço de quem e de qual ideologia as leis abolicionistas são transmitidas desta forma?

Histórico da Abolição

O primeiro dado a se ter em mente é que a Abolição foi um processo inevitável pela mudança do modo de produção escravista/colonial para o capitalismo e pela industrialização crescente no mundo. A escravidão aos poucos tornou-se uma instituição anacrônica. De acordo com Costa (1988), o capitalismo, a campanha abolicionista e a insurgência escrava mudaram as relações de produção: “As condições de produção tinham-se modificado no decorrer do século XIX, de forma a tornar o trabalho escravo cada vez mais irrelevante na escala nacional” (p. 86). Portanto, antes mesmo da Abolição “o desenvolvimento do capitalismo e a Revolução Industrial já haviam condenado a escravidão como forma de trabalho” (p. 94).

Em 1831 ocorreu a proibição do tráfico negreiro. A Inglaterra pressionou o Brasil a adotar uma lei considerando livre qualquer africano introduzido no país a partir de 7 de novembro daquele ano. Segundo Costa (1988), “a lei foi simplesmente ignorada. Entre 1831 e 1850 mais de meio milhão de africanos foram ilegalmente introduzidos no país” (1988, p. 27). Em 1850 foi aprovada a Lei Eusébio de Queiroz, mais dura e que surtiu efeito maior, apesar de o tráfico ter continuado por mais alguns anos antes de cessar completamente.

No curto prazo, os preços dos escravos dobraram e continuaram a subir daí em diante. Ante a alta dos preços, os fazendeiros passaram a se preocupar mais com o tratamento dado aos escravos. Multiplicaram-se, nessa época, manuais ensinando como tratar melhor as “mercadorias” humanas (Costa, 1988, p. 31). Outra consequência do aumento nos preços foi a concentração de escravos nas mãos dos grandes senhores. Dessa forma, a população, alijada de um “bem” que passou a privilégio de poucos, deixou de se identificar com a elite escravista. A escravidão começava a dar sinais de sua inviabilidade como sistema econômico (Salles; Soares, 2005).

Leis do Ventre Livre e dos Sexagenários

A revista se detém mais pormenorizadamente nas Leis do Ventre Livre, dos Sexagenários e Áurea.


Figuras 24 e 25: Ventre Livre.

A Lei do Ventre Livre foi fruto das batalhas entre os emancipadores e os escravistas. Os primeiros lutando por sua aprovação e os últimos contra. Como a agitação social já se tornava grande em prol da Abolição, a Lei do Ventre Livre foi aceita pelos escravistas com base na premissa “reformar para evitar maior radicalização” (Costa, 1988, p. 47).

No entanto, a pressão dos fazendeiros findou por transformar a lei num instrumento a seu favor. O texto do quadrinho passa a ideia de que Lei foi benéfica à população negra quando, na verdade, omite o fato de que o projeto final dava poder aos senhores de manter os ingênuos (como eram chamados os filhos dos escravos) em estado servil até os 21 anos ou entregá-los ao Estado, mediante indenização: “Ficavam [os ingênuos] obrigados a prestar serviços gratuitos em retribuição por seu sustento. Isso na prática significava que as crianças nascidas de mãe escrava de fato permaneceriam escravizadas” (Costa, 1988, p. 47).

Façamos um cálculo rápido, feito primeiramente pelo abolicionista Rui Barbosa (Costa, 1988): uma criança nascida em 1871, antes da aprovação da lei, teria nascido e continuaria escrava até o fim da vida. Se essa criança tivesse um filho aos 40 anos, isto é, em 1911, este seria escravo até 1932!

Para melhor compreensão desse cálculo hipotético, ilustrei uma situação também hipotética, em que um homem negro, chamado “João”, teria um filho chamado “Francisco”:

Tabela 2: Ilustração do cálculo de Rui Barbosa.

1871 – Nasce João, no dia 27/09, véspera da Lei do Ventre Livre; portanto, não beneficiado por ela.
1911 – João, aos 40 anos, tem um filho, Francisco. Francisco é ingênuo, portanto deve permanecer nas mãos do senhor até os 21 anos.
1932 – Francisco completa 21 anos e é libertado.

De acordo com a Lei do Ventre Livre, caso João tivesse um filho aos 60 anos, a escravidão no Brasil teria se prolongado até depois da Segunda Guerra Mundial. O que no início pareceu uma vitória do movimento abolicionista, em pouco tempo se revelou uma armadilha. Os escravistas, por sua vez, quando perceberam que a escravidão duraria meio século a mais, passaram a defender a lei contra a qual haviam arduamente lutado (Costa, 1988). De acordo com Salles e Soares (2005), “o Visconde de Rio Branco, que nos debates (…) de 1866 não vira razões para promover a emancipação dos nascituros, era, agora, o chefe do Gabinete que fazia aprovar a lei” (p. 110).

Como a Abolição se deu 17 anos após a Lei do Ventre Livre (em 1888), e como a entrega de crianças ao Estado foi praticamente nula, quase nenhum ingênuo foi beneficiado por ela:

pior ainda, ingênuos continuaram a viver como escravos, a ser vendidos juntamente com suas mães, a ser castigados como qualquer outro escravo, perfazendo as mesmas tarefas a que teriam sido obrigados se não tivessem sido libertos pela lei de 1871. Para eles, a liberdade continuava uma promessa a ser cumprida num futuro distante (Costa, 1888, p. 50).

Lei dos Sexagenários:

Figuras 26 e 27: Lei dos Sexagenários

Infelizmente, a falta de uma pesquisa criteriosa levou a revista a reproduzir a velha falácia de que o idoso negro teria sido beneficiado. Na verdade, de acordo com Costa (1988), esse pseudobenefício não foi uma conquista da população negra nem uma benesse da elite abolicionista. A Lei dos Sexagenários foi “uma tentativa desesperada dos que se apegavam à escravidão de deter a marcha do processo abolicionista” (p. 70) e ganhar alguma indenização em troca de escravos que já não mais serviam como mão de obra produtiva.

Faltando apenas três anos para a Lei Áurea, na prática a Abolição já havia sido tomada das mãos do governo pela população civil. De acordo com Costa (1988), a década de 1880 foi marcada pela inevitabilidade da implementação de mudanças. Os mais diversos setores da sociedade protestavam contra a escravidão, especialmente nos centros urbanos.

Na segunda metade da década de 1880, havia se tornado uma prática comum em São Paulo bandos de negros desafiarem as autoridades, arrancarem escravos das mãos dos capitães-do-mato, invadindo trens com o fim de libertar escravos de seus senhores. (…) No Rio de Janeiro, a agitação parecia incontrolável (p. 64-87).

Devido à turbulência política, os escravistas agora buscavam leis que postergassem a emancipação total que se aproximava, respeitando o direito de propriedade e o princípio de indenização.

Os mesmos fazendeiros que haviam inicialmente combatido a Lei do Ventre Livre, em 1885 lutaram arduamente pela aprovação da Lei dos Sexagenários.

A imagem da cultura negra

Figura 28: Contribuições da cultura negra no Brasil.

Apresenta-se a personagem negra mais uma vez como empregada, servindo à patroa branca. Pode-se concluir pelas imagens que cada uma está em seu devido lugar, pois, nas palavras de Alves (2004), “séculos de escravidão e miséria jogaram os negros no alto das favelas e no fundo das cozinhas” (p. 6).

No primeiro quadrinho, a frase “O negro precisa se integrar à sociedade!” parece transferir ao afrodescendente a responsabilidade pela sua não inserção. Em seguida, a “integração” apresentada é relegada às contribuições “exóticas” africanas, chamadas por Costa (1982) de “habitual periferia culinária-folclórica” (1982, p. 23), perpetuando assim a imagem do “negro folclórico”. São omitidas as contribuições africanas no campo da agricultura, da matemática, da navegação, da engenharia, da arquitetura, da medicina.

Atribui-se ao negro brasileiro a responsabilidade pela preservação e difusão da cultura popular, “responsabilidade incômoda, aliás, em cuja delegação pode-se detectar alguns componentes de preconceito incubado” (idem, p. 15). Ao se definir e classificar o negro como guardião dessa cultura, delimita-se também o seu campo de atuação, restringindo-o a esse espaço.

Hardt in Alliez (2000) afirma que “o racismo não mais se apoia em um conceito biológico de raça, e sim nas diferenças culturais, que seriam essencialmente constitutivas da identidade e, portanto, insuperáveis” (p. 363). Segundo essa visão, “seria vão, e até mesmo perigoso, permitir ou impor uma mistura de culturas” (idem, p. 365).  Estabelece-se, assim, uma base teórica igualmente forte para a separação e a segregação sociais:

esse pluralismo aceita todas as diferenças em nossas identidades, sob a condição de concordarmos em agir tendo por base essas diferenças de identidade, preservando-as, assim, como indicadores (…) de separação social (Alliez, 2000, p. 365).

A Lei Áurea

Segundo Salles e Soares (2005), a escravidão em 1888 já estava definitivamente sepultada. A Princesa Isabel assinou uma lei que apenas “sancionava uma situação de fato” (p. 113). No entanto, a revista atribui a esse fato uma dimensão histórica diversa:

Figura 29: A Lei Áurea

Se era só assinar uma lei, o que será que levou a Princesa Isabel a esperar tanto? A revista traz a ideia de que a Abolição foi um ato simples, bastava a princesa ter “pena” dos escravos, trocadilho infame que parece representar o que os autores presumiram ser o sentimento ideal em relação ao negro: piedade.

Quanto à “penada”, afirma Costa (1998, p. 15): “a Lei Áurea abolia a escravidão, mas não o seu legado. Trezentos anos de opressão não se eliminam com uma penada”.

Em 1888, a Lei Áurea apenas atestou o que de fato já era uma causa popular: “a lei vinha, como bem observou mais tarde o presidente da Província de São Paulo, selar um fato consumado” (Costa, 1988, p. 92). De acordo com Salles e Soares (2005), “em 13 de Maio os escravos de fato não eram mais que 400 mil e a perspectiva de liberdade estava cada vez mais a seu alcance” (p. 113).

Segundo Skidmore (1976), em 1872 a porcentagem da população escrava na população total era de 15,2%. Em 1888, essa proporção já havia diminuído a 5%. “Quando veio a Abolição, o Brasil já tinha uma longa experiência com milhões de homens de cor livres” (p. 58). A diminuição da população escrava se devia a diversos fatores, entre eles: à luta dos próprios escravos, à alta dos preços da mão de obra escrava, à campanha abolicionista, à mecanização da produção, à construção de ferrovias e à introdução do trabalho imigrante livre: “Dessa forma, o desenvolvimento do capitalismo do País, criando novas oportunidades e investimentos, tornava a imobilização de capitais em escravos menos atraente do que fora no passado, quando faltavam aquelas alternativas” (Costa, 1988, p. 57).

O ato de abrir mão dos 5% de escravos que inevitavelmente seriam libertos foi uma cartada de mestre da elite branca. Fabricando a ilusão que havia libertado um enorme contingente negro, a classe dominante conseguiu:

No processo de formação-invenção da cidadania brasileira, iniciado após a instituição da República e perpetuado durante o Estado Novo, o Brasil teve o duvidoso mérito de construir e propagar uma imagem de democracia racial. Esse mito preconizava a convivência harmônica entre negros e brancos, sob a suposição de que não haveria discriminação racial no Brasil (Salles; Soares, 2005).

  1. se imortalizar como defensora dos ideais humanistas, criando a base para a ideologia da democracia racial;
  2. se eximir da responsabilidade quanto ao futuro da população negra; e
  3. criar um sentimento de gratidão à Princesa Isabel – apelidada de “redentora” (embora ela apenas tenha “redimido” o nome da família imperial) – por parte da população negra, o que simbolicamente colocou essa pseudoliberdade como dívida à população branca. A elite fundiária foi suficientemente astuta “para perceber que se presidissem ao último ato poderiam conservar em suas mãos o controle político” (Costa, 1988, p. 54).

No entanto, sem indenizações para os ex-escravos, a situação se revelou um abandono à sua própria sorte. Para muitos a Abolição, sem meios para a consecução da liberdade, representou apenas o direito de ser livre para escolher entre a miséria ou a opressão do trabalhador pobre brasileiro: “pode-se dizer que o processo de emancipação do negro não culminou na Abolição. Começou com ela e ainda está longe de se concretizar” (Costa, 1988, p. 12).

Ao contrário da postura passiva atribuída pela ideologia dominante, a população negra lutou desde sempre pela sua liberdade e protagonizou, na ultima década da escravidão, o “maior movimento de desobediência civil de nossa história” (Mattos, 2005). ­­Segundo Costa (1988), “o fator decisivo [à Abolição] foi a insurreição dos escravos (…), o que levou os fazendeiros a ver a Abolição como uma medida necessária ao restabelecimento da ordem” (p. 12-52).

Para essa autora, a maior emancipação conseguida pela Lei Áurea foi “libertar os homens brancos do peso da escravidão e das contradições que existiam entre a escravidão e os princípios liberais adotados pela Nação”, pois “a escravidão era uma instituição ultrapassada, arcaica, símbolo do atraso do País” (p. 15-40).

Racismo com a melhor das intenções

A mobilização popular forçou a emancipação formal. Foi, segundo Costa, uma vitória do povo e uma conquista dos negros livres e escravos; “estes, no entanto, não escreveram a sua história. Por isso ela foi contada por outros” (1988, p. 94). Os livros de história enaltecem as leis abolicionistas, “descritas como dádivas das classes dominantes. Heróis foram os que tinham o privilégio de saber escrever e puderam contar sua própria história” (Costa, 1998, p. 94-95).

A falta de uma política social que incluísse verdadeiramente a população negra se refletiu na transmissão de saberes pela educação, que simplesmente omitia sua participação na história nacional. Como consequência, por desconhecerem a própria importância histórica, os afrodescendentes (incluindo suas crianças) ficaram impossibilitados de se enxergar como indivíduos ou como grupo social positivamente afirmados, pois a promoção da autoestima individual ou coletiva está relacionada “com a história, seja ela de vida ou social, individual ou coletiva” (Romão, in Cavalleiro, 2001, p. 161).

Em relação à criança negra, o conhecimento da história e do grupo étnico a que pertence é fundamental para a avaliação sobre a sua identidade, pois “ninguém nasce com baixa autoestima. Ela é apreendida e resulta das relações sociais e históricas” (Romão, in Cavalleiro, 2001, p. 161).

Se o entendimento do próprio passado é fundamental para a construção de planos futuros de uma determinada coletividade, coloca-se a questão: seria a falta de referência histórica um empecilho à organização e, consequentemente, ao poder de reivindicação dos afrodescendentes no Brasil? Me parece que sim. De acordo com Bazílio e Kramer (2003, p. 111), “trata-se de enormes contingentes populacionais que sistematicamente têm sido expropriados de seus direitos básicos e bens materiais e culturais e que, portanto, não conseguem conhecer e elaborar seu passado”; consequentemente, “ficam excluídos de processos de socialização que lhes permitiriam se ver como sujeitos não só produzidos, mas também produtores de história e de cultura” (Bazílio e Kramer, 2003, p. 111).

Para Santos (apud Trindade; Santos, 2002) os processos de ensino-aprendizagem são diretamente relacionados às relações de poder existentes em nossa sociedade. Portanto, a omissão ou valorização de certos conteúdos seriam reflexo da ideologia que se deseja impingir à população. “Poderíamos afirmar, mesmo, que o desconhecimento da historia é uma forma de se exercer o poder” (p. 83).

Considerações finais

A revista falha ao apresentar dados históricos de forma deturpada e equivocada. O que se defende neste trabalho não é escamotear a triste realidade da escravidão, e sim contextualizá-la, opô-la a imagens positivas e utilizá-la como meio de informação e reflexão para as mudanças necessárias à nossa realidade de desigualdades sociais.

Em virtude dos fatos apresentados, pode-se concluir que todo e qualquer material que direta ou indiretamente envolva fatos relacionados à história negra terá influência direta na autoestima e na forma de se enxergar de toda a população brasileira.

A desigualdade social no Brasil é diretamente relacionada às estruturas de poder fundamentadas na segregação étnico-racial. Segundo Salles e Soares (2005), o racismo e o preconceito racial são “elementos constitutivos e centrais” dessa desigualdade. (p. 132). Portanto, se faz mister um combate ao racismo que envolva concomitantemente os setores do governo, educação, mídia e sociedade.

A ação

Foi enviada ao núcleo de atendimento da Maurício de Sousa Produções uma cópia deste trabalho.

A resposta

Como resposta, obtivemos a carta que está reproduzida na Figura 30:

Figura 30: A carta de resposta

O diálogo se provou frutífero, principalmente pelo reconhecimento, por parte da editora, da necessidade de revisão dos conteúdos. Entretanto, é interessante perceber que as fontes consultadas para a confecção da revista (os livros didáticos) tampouco se colocam a serviço de uma educação democrática.

Ao afirmar “nunca foi a nossa intenção ofender a história afro-brasileira, muito pelo contrário”, a editora reproduz esta que é uma das principais características do racismo brasileiro: a falta de intencionalidade.

Em estudo similar, que veio inspirar a confecção desse trabalho, Nascimento (1993) estabeleceu um diálogo com os autores da cartilha infantil O sonho de Talita, apelidada pelo Movimento Negro de “O pesadelo de Talita”. A obra foi analisada e considerada violentamente racista. Ao ser apresentada aos resultados, a editora saiu-se com a seguinte frase: “Nunca foi intenção da autora e da editora desmerecer os nossos irmãos e o povo negro” (op.cit., p. 53).

Pode-se concluir portanto, que o racismo brasileiro se encontra enraizado em nível inconsciente, pois as atitudes racistas são tomadas sem que os autores tenham consciência e intencionalidade de “ofender” ou “desmerecer” os “irmãos” afro-brasileiros.

Conclusão

Se é verdade que a Ciência contribui para desvelar conhecimentos ocultos, também o é que, encerrada nas bibliotecas das universidades, sua função social se esteriliza. Acredito que a teorização acadêmica, principal mas não exclusivamente em Ciências Humanas, deve ser colocada a serviço da humanidade.

Este trabalho não é pró-negro, é pró-humanidade, pois qualquer tipo de discriminação, independente se de raça, religião, sexo ou qualquer outro motivo, fere a humanidade como um todo.

Talvez tenha sido este trabalho um passo inicial para que Mônica venha a ser a nossa futura Mafalda.

Referências

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SILVA, Hédio. Discriminação racial nas escolas: entre as leis e as práticas sociais. Brasília: Unesco, 2002.

SKIDMORE, Thomas E. Preto no Branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

TRINDADE, Azoilda Loretto; SANTOS, Rafael (orgs.). Multiculturalismo: mil e uma faces da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

TURMA DA MÔNICA. São Paulo: Globo, nº 2, 2002.

VALLADO, Armando. Iemanjá, a grande mãe africana do Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2002.

Publicado em

 

 

 


Fonte

 
 

Este post poderia se chamar também de "Palavras de Mestre", pois foi num destes eventos de Capoeira Angola, uma vez quando questionado sobre as graduações no interior das hierarquias da Capoeira Angola, Mestre Jogo de Dentro esclareceu que somente existiam duas: Mestre e Contramestre. O grupo Semente do Jogo de Angola ainda conta com os chamados "calças-pretas", mas que não se trata de uma graduação, e sim de uma autorização para que o contemplado possa desenvolver trabalho com Capoeira Angola. 
O que me chamou a atenção na sua explanação foi sobre a origem da graduação de Contramestre. Segundo Mestre Jogo de Dentro, a origem do termo contramestre estaria na intima relação que capoeiras possuíam com os trabalhos portuários. Muitos capoeiras trabalhavam nos portos como estivadores, como marujos, como pescadores, ou ainda, por morarem em cidades litorâneas compartilhavam uma cultura portuária que foi incorporada pela cultura da capoeira que os mestres do inicio do seculo XX estavam construindo.

 
Tendo esses parâmetros procurei um nexo entre a associação da capoeira com atividades do mar, consequentemente sobre essa metáfora na organização hierárquica da Capoeira Angola (1. Mestre 2. Contra-Mestre).
 
Definição em Dicionários atuais:

Definem o termo de forma simples e direta: Contra-Mestre: O imediato ao mestre (em navio, fábrica, estaleiro, etc.). Mas há dicionários que formulam uma definição mais elaborada:
 
A palavra contramestre (con.tra.mes.tre), masculino (feminino: contramestra), tem como definição:
 
     1. O imediato ao mestre ou ao seu substituto; 
     2. Abaixo do mestre ou do chefe. 
 
Sendo que, tradicionalmente é um grau abaixo de Mestre, um título, uma graduação, uma etapa alcançada, uma conquista. Não podendo ser substituído por mestrando, que é alguém que está estudando o mestrado em qualquer área cientifica, não podendo ser um título, sendo no final o título de Mestre (MSc).

Aqui, nem é preciso comentar a confusão que alguns fazem com o termo "mestrando" usualmente dos centros de pesquisas universitários, mas continuemos...
 
Outra definição do contramestre, "o contramestre mais antigo, encarregado da limpeza e conservação e da disciplina da tripulação do convés de embarcação mercante, Marinha Mercante." Mesmo porque a Capoeira teve sua propagação nos Cais de vários portos do Brasil, sendo os capoeiras, que eram tripulantes de embarcações, atrações de rasteiras dos grandes portos no século XIX. (Dicionario Informal)
 
Esta última, portanto, é uma definição ligada a hierarquia da Marinha de Guerra Portuguesa. Foi também da Marinha portuguesa do século XIX que retiramos a figura do topo desta postagem representante da definição de contramestre a seguir: CONTRA-MESTRE – Designação dos oficiais inferiores da classe de Manobra da Marinha, durante os séculos XVIII e XIX. No século XVIII os Contra-Mestres tinham uma graduação imediatamente inferior à dos Mestres e superior à dos Guardiões.


Definição em um Dicionario de 1819:

Partindo da definição anterior, encontrei um material produzido no século XIX que pode ser elucidador sobre a questão dos contramestres na Capoeira Angola. Trata-se da obra: Princípios de Direito Mercantil e Leis da Marinha para o uso da mocidade Portuguesa, destinado ao comércio, de 1819 e impresso em Lisboa. 
 

 


Escrito por José da Silva Lisboa (Deputado, e secretário da mesa da inspeção da agricultura e comercio da cidade da Bahia), define no Capitulo XXI, contramestre "como oficial do Mar, que participa das funções de Mestre, e na falta dele faz as vezes". Esclarece ainda, o verbete deste material, certa hierarquia de poder dentro das embarcações (ou da Marinha) e quais as funções do contramestre.

 



Acredito que algumas praticas e hábitos do passado colonizador português  foram apropriadas pela capoeira do século inicio do XX (de Mestre Pastinha e seus seguidores).
A aproximação dos capoeiras com atividades do mar podem ser encontradas, com grande força, em uma postagem deste blog relacionado à Antonio Vianna, em que relata uma luta entre "ganhadores e carroceiros" do Cais do Ouro, na antiga Salvador.

Entre as definições elaboradas a que melhor nos faz compreender o termo contramestre dentro da capoeira está neste material elaborado no século XIX: "na falta dele [mestre] faz as vezes". É exatamente ai, que se compreende a função dos contramestre da capoeira angola. Eles devem fazer as vezes do mestre em sua ausência.
 
Fonte: Blog Veneno da noite Terça-feira, 12 de março de 2013

 

 

 

 
 

ESCRITA ORIGINAL MANTIDA, SEM CORREÇÕES

..."os capoeiristas esclarece, comesamo a entra de fato, no verdadeiro conhecimento de si mesmo, estudioso e desejoso de conhecer a capoeira. vem de olho fito, para mostrar a verdade de que não foram negados pelos negos iniciadores, em cada nego os jestos de modo diferem, amigos, tem segredo, e é muito confuso, só com tempo." "Procuro saber se a capoeira é ciencia, si é, profunda e vasta, si me fornece conhecimentos sobre o homens, espiritual, mais tambem o homem corporal, e o ensinamentos de ordem moral, ou intelectual..."

"Vamos agora procurar ver as nossas exposições de . voltas no corpo que lhe dá, de fato, uma maravilhosa impressões sem saber si é, ou não, si é samba, porque ao mesmo tempo, vê-se, a impressão de luta : a ação do corpo, tem relações com sua natureza ; ciencia, eu sei que tem na capoeira, é fruto da nossa inteligencia, e tudo que lhe cerca, o meio, e o ambiente."

..."o que é o raciocinio ? É uma faculdade do espirito, devemos fazer uso de executar uma ação : si o capoeirista ácreditar no raciocinio, ele vê uma força de recalque, tem a função de esclarecer, dá liberdade de pensamento, e a convicção da verdade : para o bem cumprir, percisa ter conhecimento de como agem as forças por meio da faculdade intuitiva, aquele que não sabe deve aprender..."

..."devemos conhecer ação do pensamento, é o poder da vontade. é o meu desejo, é evoluir, estou na obrigação de atravessar as fases, infancia, a mocidade, e a minha idade esta bem atento, sempre um agente ativo e forte, e sempre capaz, pronto e disposto, esta é a fases na velice, e alegre com os camaradas que me procuram, disposto a enfretar suas artes."

..."a capoeira é espiritualizada e materializada no eu de cada qual..."

"Amigos o corpo é um grande systema de razão, por detraz de nosssos pensamentos acha-se um Snr. poderoso, um sabio desconhecido..."

"O bom capoeirista espera, o ambicioso agita-se e precipita-se, o famoso o povo lhe diz."

Fontes : Angelo A. Decanio Filho. Manuscritos e desenhos de Mestre Pastinha. Angelo A. Decanio Filho. A herança de Pastinha. 2 ed. 1997.

 

Mestre Pastinha (Sobre os mestres).

ESCRITA ORIGINAL MANTIDA, SEM CORREÇÕES

"Não é permitido, por mestre nenhum, se ele mestre for conhecedor das regras da capoeira, não consentir jogar em roda, ou grupo sem fiscal, se não tem como pode ter controle, quem ajuda o campo ?"

"Todos os mestres tem por dever fazer ciente que é falta usar as mãos no seu adversario ; se não fizer assim, não prova ser mestre, os que tem educação prova a sua decensia jogando com seu camarada e não procura conquista para enporcalhar seu companheiro, já é tempo de compreender, ajudar do seu esporte, é a judar a moralisar ; levantar a capoeira, que já estava decrecendo."

..."é o controle do jogo que protege aqueles que o praticam para que não discambe exesso do vale tudo note bem, estou falando em cintido de demonstração, e não de desafio, porque sempre traz consequencias as vezes desastrosas ; tira toda a beleza e o brilho da capoeira, e o capoeirista perde a sua capacidade por falta de explicação."

Fontes : Angelo A. Decanio Filho. Manuscritos e desenhos de Mestre Pastinha. Angelo A. Decanio Filho. A herança de Pastinha. 2 ed. 1997.

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Mestre Pastinha (Sobre os deveres do capoeirista).

ESCRITA ORIGINAL MANTIDA, SEM CORREÇÕES

"O bom capoeirista nunca se exalta procura sempre estar calmo para poder reflitir com percisão e acerto ; não discute com seus camaradas ou alunos, não touma o jogo sem ser sua vez ; para não aborrecer os companheiros e dai surgir uma rixa ; ensinar aos seus alunos - sem procurar fazer exibição de modo agresivo nem apresentar-se de modo discortez..."

"... não devemos procurar ficar isolado, porque nada podemos fazer ; é muito certo o trocado popular que diz : a união faz a força..."

"E, vocês do futuro, firme por amôr ao esporte mais tambem pelo seu cavalheirismo esportivo. É uma recomendação para o respeito as regras e aos regulamentos escritos ; Um apelo para que procedamos correto e decentemente os aspectos de nossa vida na sociedade ; um apelo que sendo atendido estamos sujeito a obter justa vantagem em qualquer ciscunstancia."

"Não queiram a prender a capoeira para valentia, mais sim, para a defeza de sua intregridade fisica, pois um dia, pode ter necessidade de usa-la para sua defeza. Cuja defeza é contra a qualquer agressor, que venha-lhe ao encontro com navalha, faca, foice e outras armas."

..."para ser bom, é perciso ser completo no fundamento do teu esporte ; quando uma pessoa te pedir uma esplicação não responder coisas que não pode ser bem, fere sua ação porficional. todos tem direito de ensinar, porem não de desvalorisar quem ja está a visto do publico..."

..."é dever de construir para os infantius uma personalidade — digna de admiração, não devem faltar as regras da disciplina, civilidade, do respeito às atenções, a bôa disposição, o bôm humor, a solidariedade, a lealdade, e o amor a verdade ; estes são os alicerces que darão estabilidade à estrutura moral do ser..."

"Como penso eu nos deveres, como capoeirista é fazer cogitações, reclamar uma atitude, um gesto, a cada passo uma palavra que implique no comprimento do dever, sim, sem prejudicar, a moral do seus camaradas. e nem criar causo ; ninguem deve subtrair-se é prejuiso, é grande a finalidade da capoeira, seja justamente essa prestada ao centro, e na academia ; disciplinar, é executar uma serie de obrigações, fazem parte integrante do regime da propria academia ; cumprir o dever é ser honesto de si mesmo : é respeitar-se a si proprio, e agir com conciencia esclarecida ; todo o dever cumprido representa o resgate de uma obrigação ; é um impulso para frente no sentido da evolução..."

..."cada capoeiristas responde pelo que é do seu dever, sabendo as responsabilidade com elas o dever, aumentam o crescimento do seu saber : o amigo antes de associa-se, não compromeita a produzir, mais do que permita sua capacidade ; dentro de suas possibilidades, não vacile, em prometer sem reservas, deve ser ao seu alcance fazer ; dai vem a razão de ser privinido, e estar sempre vigilante, sempre alerta, sempre atento em seus deveres, sempre convicto de cumprir ao centro, academia, e ao seu negocio particula."

..."cumprir o dever é ser honesto de si mesmo, é respeitar-se a si proprio, é agir com conciencia esclarecida ; todo o dever cumprido representa o resgate de uma obrigação. um impulso para frente no sentido da evolução... "

Fontes : Angelo A. Decanio Filho. Manuscritos e desenhos de Mestre Pastinha. Angelo A. Decanio Filho. A herança de Pastinha. 2 ed. 1997.

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Mestre Pastinha (Sobre a ética no jogo).

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"Não deve ser aplicado e nem forçar o seu companheiro para obter recursos é erros gravissimo, esta sujeito o fiscal suspender o jogo."

"É proibido no jogo e prinsiparmente em baixo, fonsional golpes, ou truque, não por, é fau.Os golpes que não pode ser fonsionado em Demonstração ; golpes de pescoço, dedo nos olhos, cabeçada solta, cabeçada presa, meia lua baixa, Balão a coitado, rabo de arraia, Tesoura fechada, chibata de clacanhar, chibata de peito de pé, meia lua virada, duas meia lua num lugar só, pulo mortal, virada no corpo com presa de calcanhar, presa de cintura, Balão na boca da calça, golpes de joelho e nem truques."

Fontes : Angelo A. Decanio Filho. Manuscritos e desenhos de Mestre Pastinha. Angelo A. Decanio Filho. A herança de Pastinha. 2 ed. 1997.

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Mestre Pastinha (Sobre o jogo)

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... "e a capoeira vem amofinando-se quando no passado ela era violenta, muitos mestres, e outros nos chamavam atensão, quando não estava no ritimo, esplicava com decencia, e dava-nos educação dentro do esporte da capoeira, esta é arazão que todos que vieram do passado tem jogo de corpo e ritimo."

"Porque dizem que a capoeira não tem glopés ? Se a capoeira não tem golpes ? Os caboclos, não lutavam, os nagôs não idealisavam no batuque, na dança do candobre, o batuque é luta, o candobre é para da volta no corpo, que eles diziam, ginga meu fio, pra dibra das garras do agressor. e o restos não é mais com migo."

..."pode ser visto do melhor professor ou instrutor, é e é perigosa, não é falcificada, para iludir, é ativos, é mais gingada, é mais manhosa, muita artimanha, ensina sentar-se, encoslar-se. se for possive ele deita-se, para poder aplicar o serteiro ; bem poucos sabe ensinar, eu falo, eu sei, porque tive bom mestre, e eu não enventei ; eu vi e achei bom, e aprendi no circo de cadeiras, para aprender o jogo de dentro..."

"Os capoeirista tem que aprender, o mundo é a escola que nos aprendemos, é a natureza que nos dá prazer, procuramos os elementos de bôa vontade, que ofereça a lições para o bem-esta dos nosso interesse... "

"Para que serve o berimbau ? Não é só para indicar o jogo. E, porque o birinbau na hora H. é pirigouso ? É pirigoiso, nas, mãos de quem sabe maneijar o birimbau, ou coisa semelante."

"Amigos porque não cantam ? A capoeira só é bonita jogando, cantando, e só perdeu a beleza porque não canta, e o velho deu ao Centro, mestre de campo, mestre de bateria, mestres arquivistas, fiscal, contra-mestre..."

"É dever de todos capoeiristas, não é defeito não saber cantar ; mais é defeito não saber responder, pelo meno o côro. É probido na bateria pessôas que não respondem ao côro."

"Porque cantam com inredo ? inprovizado ? É para quando chegar na roda pesôas que é estranha, ou mestre, o improviso adverte a roda se deve ou não continuá, ou anima-se."

"Em todas rodas, ou grupos de capoeira coloca-se uma moeda no centro da arena, os dois camaradas vão disputar para apanha-lo com os lábios em primeiro lugar."

"Porque trena-se apanhar a moeda com a boca ? Não é com interesse na moeda qui tem valor Dinheiro, é para na hora de aperto, aplica-se o truque, e o agressor, vai, ou não, na onda."

Fontes : Angelo A. Decanio Filho. Manuscritos e desenhos de Mestre Pastinha. Angelo A. Decanio Filho. A herança de Pastinha. 2 ed. 1997.

 

Mestre Pastinha (Sobre sua formação como capoeirista).

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"Eu ti digo, comecei a educar-me nesse jogo, por força de vontade, e não foi com trez meses, ou com menos, porque o tempo é muito pouco, poristo é que eu pinoteio, salto, tenho agilidade, tenho manhas, jogo no corpo, dibre para me livra do agressor, sirvo-me dos pés, da cabeça ..."

"Em cada Districtos tinha um mestre para ensinar e nos dias de festa, era de regras, prestar contas, mostra os alunos, mostra coisa nova, truques, inrêdos, enprovisado, e o mestre em geral, classificavam com uma argola, era o premio, era de grande valor, prova de mericimento... "

"E o meu mestre bôm, eu aprendi na rua da laranjeiro, e lesionei na rua Sta. Izabel em 1910 a 1912, quando eu abandonei a capoeira, e voltei, em 1941, para organizar o Centro de capoeira o 1o na Bahia. Na escola de Aprendiz Marinheiro da Bahia eu era o 110, e lecionei os meus camaradas de 1902 a 1909,..."

"Com fé e coragem para ensinar a mosidade do futuro estou apena zelando para esta maravilhosa luta que é deixa de erança adequirida da dança primitiva dos caboclos, do batuque, e candobré originada pelos africanos de Angola ou Gejes ; muitos adimira essa belissima luta quando os dois camaradas joga sem egoismo, sem vaidade ; é maravilhosima, e educada."

Fontes : Angelo A. Decanio Filho. Manuscritos e desenhos de Mestre Pastinha. Angelo A. Decanio Filho. A herança de Pastinha. 2 ed. 1997.

 

Mestre Pastinha ( Sobre a origem da capoeira).

ESCRITA ORIGINAL MANTIDA, SEM CORREÇÕES

"Qual foros as trez armas dos nêgros ? O batuqe. o candombre, e a lutas dos caboclos..."

"A capoeira é a segunda luta ? Porque a primeira é a dos caboclos, e os africanos juntou-se com a dança, partes do batuque e parte do candombrê, procuraram sua modalidade." "Em cada freguizia um africano com uma responsabilidade de ensinar, para fazer dela sua arma contra o seu perseguidor..."

... "se comunicavam no cantos improvisados dançava e cantava, inredos inventava, truques, piculas, para dar volta no corpo, escondendo o chicote, inventando miseria,o corpo todo faz miserêr, cabeça, mão, pernas, e só consegue com manhas."

"note bem, amigo... a capoeira está dividida em trez parte, a primeira é a comum, é esta que vêr ao publico, a segunda e a terceira, é rezervada no eu de quem aprendeu, e é rezervada com segredo, e depende de tempo para aprender. ... "

"Falando em manha da capoeira ! Penço que todos capoeiristas são maoso, porque a propria lhe dá aspiração, ensina idealisar, porque todos nasce com a capoeira, não só os homens como as mulher ; não é novidade na Bahia."

"Está gravado na Historia da capoeira as mulheres que jogavam a mandinga e batucavam, bem como cito Maria homem, Julia Vulgo Fugareira e muitas outras que deixo os meus camaradas contarem..."

..."a capoeira de acordo a falta dos africanos, a capoeira foi escasiando-se, porque, era, natural que os mestres recuram, e ficou deminuida, e muitos outros foram espalhando-se, enquanto ela escurasada, e tomou, São Feliz, Cachoeira, Santo Amaro..."

Fontes : Angelo A. Decanio Filho. Manuscritos e desenhos de Mestre Pastinha. Angelo A. Decanio Filho. A herança de Pastinha. 2 ed. 1997.

 

Mestre Pastinha (Sobre a Fundação do Centro Esportivo de Capoeira Angola).

ESCRITA ORIGINAL MANTIDA, SEM CORREÇÕES

..."em 23 de fevereiro de 1941. Fui a esse locar como prometera a Aberrêr, e com suspresa o Snr. Armósinho dono da quela capoeira, apertando-me a mão disse-me : Há muito que o esperava para lhe entregar esta capoeira para o senhor mestrar. Eu ainda tentei me esquivar disculpando, porem, toumando a palavra o Snr. Antonio Maré : Disse-me : não há jeito, não Pastinha, é você mesmo quem vai mestrar isto a qui. Como os camaradas dero-me o seu apoio, aceito."

..."em 23 de fevereiro de 1941. No Jingibirra fim da Liberdade, la que naceu este Centro ; porque ? foi Vicente Ferreira Pastinha quem deu o nome de "Centro Esportivo de Capoeira Angola". Fundadores Amosinho, este era o dono do grupo, os que lhe , Aberrêr, Antonio Maré, Daniel Noronha, Onça Preta, Livino Diogo, Olampio, Zeir, Vitor H.D., Alemão filho de Maré, Domingo de.Mlhães, Beraldo Izaque dos Santos ; Pinião José Chibata, Ricardo B. dos Santos."

..."Eu sempre pronto quando me procuravam, estava em minha casa, um Domingo, quando dois camaradas me convidou para ir ver um terreno da Fabrica de Sabonete Sicool no Bigode, e la levantei a capoeira, e o Centro entrou no rumo, que Pastinha pensava levar a capoèira, ao seu presioso valor ; com o ausilio dos moradores, e todos estiveram ao meu lado animando-me para este disideratum. A primeiras camisas foram feitas no Bigode, em cores preta, e marelo. tendo como primeiro Presidente o Snr. Athaydio Caldeira, o segundo, o Snr. Aurelydio Caldeira."

"Eu sempre tive em mente que a capoeira persisava de um generoso intrutôr, com a presencia minha, apontei o destino de levar ao futuro, assumir deversa atitude : Pelo àmôr ao esporte ; e a luta constitui caminho para a devina realização e recebeu o nome Centro esportivo de capoeira Angola como patrimonio sagrado."

"Nunca tomei conhecimento dos que não estão com-migo, sim, porque a capoeira não me é previlejios, o Centro é para todos que visitar, jogar, fazer parte... "

..."eu digo aos mestres que inponho por educação, explicações e bons sentimento porque não sou o melhor, não sou o mestre numero um, comigo tenho bons observadores e bons capoeiristas, e outros que estão na rezerva, e apoia o Centro como academia..."

Fontes : Angelo A. Decanio Filho. Manuscritos e desenhos de Mestre Pastinha. Angelo A. Decanio Filho. A herança de Pastinha. 2 ed. 1997.

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Capoeira - Angola - Ensaio Sócio - Etno Gráfico Autor : Waldoloir Rego Editora Itapuã - Coleção Baiana -1968

Livros recomendados (entre outros) : Guia do Capoeira ou Gymnastica Brasileira, ODC. Rio, 1907 ; Gymnastica Nacional (Capoeiragem) Methodisada e Regrada, Annibal Burlamaqui, Mestre Zuma.. Rio, 1928 ; Numa e Ninfa, do extraordinário Lima Barreto Subsídios para o Estudo da Metodologia do Treinamento da Capoeiragem, Inezil Penna Marinho. Rio, 1945 ; Capoeira, a Arte Brasileira, Mestre Paulo Gomes. Rio/São Paulo, 1921 ; Quem tem medo da Capoeria, Luiz Sergio Dias (livro premiado). Rio, 1995 ; Conversando sobre Capoeira..., Dr. Esdras M. Santos, Mestre Damião. Salvador/José dos Campos (São Paulo, sem data).

Artigos recomendados (entre outros) : Capoeira, Revista Kosmos. Rio, 1906 ; O Malho, Rio 1909 ; Revista Para Todos. Rio, 1932 ; Revista da Semana (A Defesa Nacional !) Rio, 1921 ; O Nosso Jogo Revista da Semana, Rio, 1921 ; Combates que despertam emoção, Jornal dos Sports. Rio, 1931 ; André Jensen na Bahia, Diário de Notícias, Salvador, 1938.Capoeira - Ein Afrobrasiliamischer Kampftanz - "Sprechende Korper" Autor : Piero Onori Editora : Dia St. Gallen / Kolen Alemanha -1998 Capoeira Texto : Waldeloir Rêgo Foto : Fernando Goldgaber Editora : Itapuã Bahia -1969 Berimbau Autor : Raquel Coelho Editora : Ática S.A. -1993


O Berimbau da Bahia Autor : Luiz Almeida da Anunciação


Pequena História do Maculelê Autor : Plínio de Almeida


Bibliografia Afro-Brasileira Biblioteca Amadeu Amaral Funarte -1988


A Mandinga da Capoeira Autor : André Luiz Lacé Lopes Edição Programa Nacional de Capoeira -1994


O Berimbau de Barriga e Seus Toques Autor : Kay Shaffer Funarte -1977


Cadernos de Capoeira Autor : Luiz Carlos V. Tavares Edição : Universidade Federal de Sergipe -1994


Ginástica Brasileira Autor : Edmundo Souza Fundação Universidade Federal de Mato Grosso Capoeira -Arte Marcial Del Brasil Autor : Leonardo Torres Negro Editora Alas -Barcelona -Espanha -1996


Galo já cantou Autor : Nestor Capoeira Arte hoje editora -1985 0 pequeno manual do jogador de capoeira Autor : Nestor Capoeira Editora : Record -1992 0s fundamentos da malícia Autor : Nestor Capoeira Editora : Record -1992 A balada do noivo-da-vida e veneno da madrugada Autor : Nestor Capoeira Editora : Record -1997


Capoeira - A brasilian art form Autor : Bira Almeida - Mestre Acordeon


Published by North Atlantic Books Califórnia -USA -1981 Curso de Capoeira em 145 figuras Autor : Augusto José Fascio Lopes Edições de ouro -1979


Subsídios para o estudo da metodologia do treinamento da capoeiragem Autor : Inezil Penna Marinho Imprensa Nacional -1945 - RJ


Berimbau (o arco musical da capoeira) Autor : Albano Marinho de Oliveira Coleção Antonio


Viana Volume I Imprensa Oficial da Bahia -1958 Conversando nos bastidores com o capoeirista Autor : M. Valdenor Silva dos Santos Editora : Parma Ltda. -1996


Capoeira a luta regional Baiana Cadernos de Cultura no : 1 ano 1979 Autor : Jair Moura -Bahia


ltinerários da Copoeira Autor : Francisco Pereira da Silva Impresso pela Monsanto Editora -1985


Catálogo da Exposição - Dia Internacional do Folclore Autor : Mello Morais Filho Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro -1969


Capoeira -A arte marcial brasileira Autor : Mestre Paulo Gomes -1982


Bibliografia crítica da Capoeira Autor : Raimundo César Alves de Almeida - (M. Itapuãn) Ministério da Educação e Desporto -1993


Capoeira no Jeb’s Autores : Bruno Ribeiro da Silveira / César Augusto S. Barbieri / Raimundo César Alves Almeida / Lucas Carlos Vieira Tavares / Manoel José Gomes Tubino Ricardo Penna Machado Ministério da Educação e Desporto -1995


Capoeira $ Lave Ritual Autor : Jerônimo Santos da Silva Nacional Library of Austrália Cataogue - in - Publication -1996


Os efeitos da prática da capoeira sobre a força, flexibilidade, resistência, habilidade específica e composição corporal Autor : Haron Crisóstomo Castarion Mattos -1997


Capoeira em artigos e notícias Autores : Haron Crisóstomo Castanon Mattos -1997 Maria Carmem Altomar Mattos -1998


A volta do mundo da capoeira Autor : André Luiz Lacé Lopes Coreográfica Editora e gráfica - Brasil -1999


Escolarização da Capoeira Autor : José Luiz Cirqueira Falcão Editora Rayal Court -1996- Brasília -DF


Capoeira do Engenho á universidade Autor : Gladson de Oliveira Silva CEPE -USP -São Paulo -1993


Negaça -Ano I nº 1 Autor : Ginga Associação de Capoeira Computação Gráfica Ltda. - Salvador - Bahia -1992


Negaça -Ano I nº 2 Autor : Ginga Associação de Capoeira Programa Nacional de Capoeira Brasília -DF -1994


Negaça -Ano III nº 3 Autor : Ginga Associação de Capoeira Impressão : "P"8"A" Gráfica e Editora Salvador - Bahia


Mestre Atenilo -O Relâmpago da Capoeira Regional Autor : Mestre Itapoãn - Raimundo C. Alves de Almeida Núcleo de recursos Didáticos da UFBA Salvador- Bahia -1991


Bimba -Perfil do Mestre Autor : Mestre Itapoãn (Raimundo César Alves de Almeida) Centro Editorial e Didático da UFBA Salvador - Bahia -1982


A saga do mestre Bimba Autor : Raimundo César Alves de Almeida (M. Itapuãn) Impressão : "P"8" A" Gráfica e Editora Ltda, Salvador - Bahia -1994


Curso de Capoeira Contribuição Prática e Teórica Autor : Instrutor- Mestre Mestrinho Cascavel - Paraná


Capoeira Angola Autor : Mestre Pastinha Fundação Cultural da Bahia -1998


Capoeira -Arte - Folclore Autor : Mestre Deputado (Walce Souza) Empresa Gráfica e Jornalística Ltda.


lniciação à Capoeira Autor : Mestre Santana São Paulo -1985


Capoeira - Angola - Ensaio Sócio - Etno Gráfico Autor : Waldoloir Rego Editora Itapuã - Coleção Baiana -1968


A negrada instituição - os capoeira no Rio de Janeiro Autor : Carlos Eugênio Líbano Soares Editora : Access -1994


O mundo de pernas para o ar -"A capoeira no Brasil" Autor : Letícia Vidor de Souza Reis Publisher Brasil -1997- SP


O jogo de Capoeira "Cultura Popular no Brasil" Autor : Luiz Renato Vieira Editora Sprint -1995 / Rio de Janeiro


Capoeira e auto-estima Autor : Yara Camargo Cordeiro Printed in Brasil - Brasília/DF


O trivial da Capoeira Autor : Paulo Puma Araújo Gama Editorial Aracajú/ Sergipe -1998


Capoeira Regional Autor : Mestre Oswaldo de Souza Gráfica Kelps Goiônia /Goiás


Conversando sobre Capoeira Autor : Esdras M. Santos Jac Gráfica e Editora Ltda. São José dos Campos/SP - 1996


Educação -Educação Física -Capoeira Autor : Luiz Silva Santos Imprensa Universitária de Maringá - PR -1990


Capoeira para Deficientes Autor : Antônio Lopes Ribeiro Planzo Mimeográficos Feira de Santana -Bahia -1987


Capoeira Terapia Autor : Antônio Lopes Ribeiro Secretaria de desportos Brasília - DF -1992


A ginástica brasileira Autor : Inezil Penna Marinho Gráfica Transbrasil Ltda. Brasília - DF -1981


Capoeira -Arte Marcial Brasileira Autor : Carlos Sena Secretaria Municipal de Educação e Cultura Salvador- Bahia -1980


Capoeira e Mandingas "Mestre Cobrinha Verde" Autor : Marcelino dos Santos (Mestre Mau) Liceu de Artes e Ofícios da Bahia -1990


Capoeiragem -Arte e Malandragem Secretaria Municipal de Educação e Cultura Autor : Jair Moura -Bahia -1980


Capoeira na Escola Autor : Hélio Campos (Mestre Xaréu) Impresso na gráfica Presscolor Salvador- Bahia -1990


Capoeira -Ciência e Verdade Autor : Mestre Valdenor Santo André / SP -1982


Canjiquinha (Alegria da Capoeira) Autor : Fred Abreu Fundação Cultural da Bahia -1989 Editora : A rasteira


A capoeira Angola na Bahia Autor : Mestre Bola 7 Empresa Gráfica da Bahia -1989


Capoeira - Cadernos de folclore Autor : Edison Carneiro Funarte - 1975


Encontro Nacional de Capoeira e VIII Reunião Anual da A.B.P.C. Autor:Juiz de Fora / MG -1998


Recife Sargento Autor : Oscar Mello -1938


A Capoeira no Porá Autor : Vicente Salles Micro - edição do autor -1994


Jogo do Capoeira Autor : Caribe -1951 Impresso na tipografia Beneditina Ltda. Salvador/Bahia


A herança do Mestre Bimba Autor : Ângelo A. Decônio Filho Coleção São Salomão -1996


A herança do Mestre Pastinha Autor : Ângelo A. Decônio Filho Coleção São Salomão -1996


O estudo da Capoeira Autor : Antonio Carlos de Menezes (Mestre Burguês) Curitiba / PR - 1978 Editora do Estado do Paraná


Cântigos de Capoeira Autor : Antonio Carlos de Menezes (Mestre Burguês) Editora Paranaense -1980 Curitiba / PR


lê... Axé nagô capoeira Autor : Mestre Sergipe -1997


História e Fundamentos do Grupo Beribazu Autores : José Luiz Cirqueira Falcão e Luiz Renato Vieira Starprint Gráfica e Editora Ltda. Brasília -1997


Capoeira - O caminho do Berimbau Autor : Reginaldo da Silveira Costa -Mestre Squisito Thesaurus Editora -1999 (Brasília)


lúna Mandinqueira (A ave símbolo da Capoeira) Autor : KK Bonates Manaus -AM -1999 Editoração Eletrônica Agência XXI -Instituto Jair Moura


Bimba é Bamba (A capoeira no ringue) Autor : Frederico José de Abreu P e A Gráfica e Editora Salvador / Bahia -1999


Instituto Jair Moura Histórias e estórias da capoeiragem Autor : José Luiz de Oliveira Cruz (Mestre Bola 7) Editora : "BDA"- Bahia Ltda. Salvador- 1996


Brincando de capoeira (Recreação e Lazer na Escola) Autor : André Luiz Teixeira Reis Editoração Eletrônica : Anatália Alves Brasília -1997 Capoeira Infantil (A arte de brincar com o próprio corpo) Autor : Jorge Luis de Freitas (Periquito Verde) Editora Gráfica Expoente -Curitiba / PR -1997


Capoeira sem mestre Autor : Lamartine P. Da Costa Editora Tecnoprint Ediouro


O canto da lúna (A saga de um capoeira) Autor : Maneca Brandão Impressão Grafpress Itabuna / Bahia


Capoeira - Arte - Luta - Brasileira Autor : Aristeu Oliveira dos Santos -Mestre Mestrinho Gráfica Scala Ltda. -1996 Cascavel/ PR


Nomenclatura na Capoeira (Contribuição ao Estudo) Autor : Luiz Carlos Nunes Santos Aracajú / Sergipe


Capoeira - Cepeusp Autor : Gladson de Oliveira Silva Impressão J.B. Reproduções USP -São Paulo -1991


No caminho do Mestre Autor : Elto Pereira de Brito (Mestre Surno) Ed. Do Autor Goiônia / Goiás


Fundamentos da Capoeira Autor : Elto Pereira de Brito (Mestre Suíno) Secretaria do Estado de Goiás -1997


Capoeira - Percurso Autor : Carlos Senna Ed. Senavox e A rasteira Salvador / Bahia -1990


Cultura - Capoeirística (Sua história e seus valores) Autor : José Domingos de Jesus (Mestre Zé Maria) Impressão Gráfica Irmãos


Ribeiro Barreiras - Bahia -1998 Capoeira : Dança ou Luta Autor : Julio Carlos Meio (Mestre Julio 29) Ed. do Autor Bahia -1984


Capoeira - Regras Gerais Autor : Confederação Brasileira de Pugilismo Palestra Edições Desportivas Rio de Janeiro - 1987


O que é capoeira Autor : Almir das Areias Editora Brasiliense S.A. São Paulo - 1983


Arte da Capoeira (História e Filosofia) Autor : Adyjolvã Anunciação Couto (Mestre Zoião) Gráfica Santa Helena Salvador - Bahia -1999


Capoeira - The Art of Survival Autor : Waldenkolk Oliveira (Mestre Preguiça) São Francisco - Califórnia - USA -2000-09-04


A corte de D. João no Rio de Janeiro -1808 -1821 Autor : Luiz Edmundo Impressa Nacional Rio de Janeiro -1940


Dicionário Yorubá (Nagô) -Português Autor : Eduardo Fonsceca Jr. Editora Civilização Brasileira Rio de Janeiro -1988


Cantos Populares do Brasil (Coleção Documentos Brasileiros) Autor : Silvio Romero Livraria José Olympio - Editora Rio de Janeiro -1954


Bahia (Imagens da Terra e do Povo) Autor : Odorico Tavares Editora Civilização Brasileira Rio de Janeiro -1961 S.A.


Dogma e Ritual da Alta Magia Autor : Elphas levi Empresa editora : O pensamento ltda. São Paulo - 1955


Casos e Coisas da Bahia Autor : Antonio Vianna Publicações do museu do Estado Bahia- 1950


Frevo Capoeira e Passo Autor : Valdemar de Oliveira Companhia Editora de Pernambuco Recife / PE -197


Quintal de Nagô (Centro de Estudos Baianos) Autor : Antonio Vianna Publicação da Universidade Federal da Bahia -1979


Folguedos Tradicionais Autor : Edison Carneiro Funarte -Rio de Janeiro -1982 Bahia (Folclore Brasileiro) Autor : Hildegardes Vianna Funarte


Danças do Brasil Autor : Felicitas Editora Tecnoprint ltda.


Introdução à Sociologia dos Desportos Autor : João Lyra Filho Rio de Janeiro -1973


Fatos e fotos (20 anos de capoeira e cultura afro) Autor : Marcial Augusto Lopes (Mestre Marcial) Ed. Do Autor Jaú -São Paulo -1997


Olelê -Maculelê Autora : Emilia Biancardi Ferreira Bahia -1989


Maculelê Autora : Ma ria Mutti Secrataria Municipal de Educação e Cultura Salvador- Bahia -1978


Festas e tradições populares do Brasil Autor : Mello Morais Filho Ed. Itatiaia -Universidade de São Paulo São Paulo -1979


O Rio de Janeiro no tempo dos Vice-Reis Autor : Luiz Edmundo Imprensa Nacional Rio de Janeiro -1932


Tia Ciata (e a pequena África no Rio de Janeiro) Autor : Roberto Moura Funarte -1983 Rio de Janeiro


Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil Autor : Jean Baptiste Debret Biblioteca Histórica Brasileira - MEC São Paulo -1975


O Golpe - Capoeira Regional da Bahia Cadernos Autores : Antonio Vianna Instituto Geográfico e Histórico da Bahia Salvador - Bahia - 1976


As sete portas da Bahia Autor : Carybé Editora Record São Paulo - 1976


Bahia de todos os Santos Autor : Jorge Amado Livraria Martins Editora São Paulo - 1960


Capitães da Areia Autor : Jorge Amado Editora Record Rio de Janeiro - 1983


Mar Morto Autor : Jorge Amado Editora Record Rio de Janeiro - 1987


Santugri - "Histórias de Mandingas e capoeiragem" Autor : Muniz Sodré José Olympio Editora Rio de Janeiro - 1988


A Arma é o Corpo (Prática da soma e capoeira) Autor : Roberto Freire Editora : Guanabara Koogan - SA Rio de Janeiro - 1991


Introdução ao estudo do folclore brasileiro Autor : Inezil Penna Marinho Horizonte Editora Brasília -1980


Brasil no folclore Autor : José Ribeiro Gráfica Editora Aurora Rio de Janeiro


A Bahia de outrora Autor : Manuel Querino Livraria Progresso Editora Salvador- Bahia -1946


Abordagens Sócio-Antropológicas da luta - Jogo da Capoeira Autor : Paulo Coelho de Araújo Instituto Superior Maia - Coimbra - Portugal / 1997


A Capoeira Escrava Autor : Carlo Eugênio Líbano Soares Editora Unicamp - 2001


Capoeira e Religião Autor : Elton Pereira de Brito Editora Independente - 2000


Mestre João Pequeno - Uma vida de Capoeira Autor : Luiz Augusto Normanha Lima Editora independente - 2000


O ABC da Capoeira Angola Os manuscritos do mestre Noronha Autor : Daniel Coutinho Editora : Centro de Documentação e Informação sobre a capoeria - Cidoca - DF Brasília - 1993


Um jeito Brasileiro de aprender a ser Autor : Cesar Barbieri Editora : Centro de Documentação e Infirmação sobre a capoeira Cidoca - DF Brasília - 1993


Manual da Capoeiragem Autores : André Fernando Brandão Fernando de Castro Heliana Maria Brandão Editora Independente - 2001


Raízes Musicais da Bahia Autor : Emília Biancardi Secretaria da Cultura e Turismo Salvador - Bahia - 2000


O berimbau e a dança da capoeira Autor : Pedro Paulo Braga Legmar informática e Editora LTDA Ano 2001


A capoeira sob uma nova visão Autor : Manoel de Souza Ano 2000 Ring of Liberation Autor : J. Lowell Lewis The University of Chicago Press Ano 1992


Capoeira - internet Autor : Jerônimo Santos da Silva Austrália - 1999.


Capoeira na Universidade (uma tragetória de existência) Autor : Hélio Campos (Mestre Xaréu) Editora - U.F.BA Salvador/BA - 2001.


Guia do Capoeira ou Gymnastica Brasileira Autor : ODC Livraria Nacional Rio de Janeiro/RJ - 1907. Pequena história do Maculelê Autor : Plinio de Almeida.


Definitivamente, a história da transformação de uma modesta filmagem em Super-8mm (realizada entre 1976 e 1978) num registro no moderno sistema DVD neste 2009 de tantas desgraças é a prova maior que o Destino dirige as nossas vidas. Se alguém naquele longínquo ano de 1976 dissesse que o garoto pobre filmado jogando Capoeira num Morro ainda mais pobre — de lazer e de oportunidades diversas para crianças da mesma idade e origem — seria MAIS DE 30 ANOS DEPOIS exatamente a pessoa que lançaria o histórico registro ao Mundo, via Internet e por esse por vezes nefasto YOU TUBE, todos diriam que o sujeito estava bêbado ou doido.

 

Mas a história da viagem de QUASE VINTE MIL KM da "fitinha" por boa parte do Brasil é a história do sonho vencendo todos os pesadelos, da necessidade sobrepujando as dificuldades, do objetivo teimosamente alcançado driblando todos os obstáculos, persistindo ano após ano, apesar das frustrações. Quando 2 jovens favelados se propuzeram comprar uma filmadora de plástico, coisa fina, importada — com o pomposo nome de GIOCA Royale — a intenção não era se filmarem mas registrar a Capoeira dos 2 nomes maiores daquela época na zona sul carioca, os mestres Peixinho e Camisa, ambos no auge de suas formas técnica e física e o ensino solitário do folclórico mestre Lua em diversos locais.

Assim, sem dinheiro, lenço nem documento, o jeito era "pedir as contas", sair do emprego com indenização, FGTS mais férias, etc para poder adquirir a engenhoca. Só ano e meio mais tarde compraríamos um projetor — também de plástico e da mesma marca — para constatar adiante que a maquininha, muito mal "bolada", lixava o filme tanto na projeção como no rebobinamento de cada rolinho de filme. Os rolinhos, depois de revelados a um preço absurdo, se transformavam em apenas CINCO MINUTOS de imagens e, como eram caros, precisamos de 3 longos anos de filmagens para obter esse registro hoje postado no YOU TUBE por mestre GUARÁ, do grupo ECAP-Escola de Capoeira Angola de Paris. Podendo adquirir apenas 2 ou 3 rolinhos por evento, era preciso esperar pelo evento do ano seguinte e, novamente, pelo do outro ano.

Tendo conseguido a FILMADORA em fins de 1975, passamos para passo seguinte, tentar adquirir um projetor para filmes 8mm, uma fortuna na época (algo entre 10 e 12 salários mínimos) quase todos da KODAK americana ou, então, de origem alemã. Surgiu uma luz no fim do Túnel : um leilão de uma estatal no bairro de Botafogo tinha, entre mil bugigangas, um esquisito projetor meio manual meio elétrico, próprio para slides, mas que nosso gênio criador "adaptaria" para passar a minúscula "fitinha". Nesse leilão conheci um "macete" que só décadas depois se tornaria um hábito nesse tipo de evento. A cada lance confirmado pelo Leiloeiro oficial "pipocavam" em vários cantos da sala novas propostas, elevando o preço de cada "velharia" muito além de um valor razoável para um objeto usado. Meu "projetor" não escapou da armadilha... com lance inicial em torno dos 40 cruzeiros da época, acabou ficando quase em 200 "mirréis" ou "paus" como se dizia, 4 "galos" (dezena 50 no Jogo do Bicho) para os malandros do Morro onde nascemos. Paguei na hora os 10% destinados ao pregoeiro e fui buscar no dia seguinte o aparelho. Levei um susto : os sisudos senhores de terno e gravata que "disputaram" comigo o projetor de slides não passavam de funcionários comuns da estatal, serventes na sua maioria, a elevar os preços do leilão só Deus sabe porquê.

Anos depois, já na Amazônia de matas e águas, eu usaria desse estratagema no interior, num leilão que fui convidado a "cantar". Cochichei o "macete" para um amigo ribeirinho e quase morri do coração ao notar que êle espalhara a idéia entre meia dúzia de jogadores do seu time, que disputavam os lances entre sí, sem saber que teriam que pagar o prêmio, no final do leilão. Relato o fato numa curiosa crônica intitulada LEILÃO DE "URUBU", cujo link é... www.overmundo.com.br

Mas, voltemos ao Rio de 1976... o fato é que o projetor de slides nunca funcionou a contento para se ver os filmetes, guardados em dez ou doze rolinhos amarelos durante uns 3 anos. Registramos a nós mesmos, 1 ou 2 amigos do Morro dos Cabritos, "Rubinho Tabajaras" em seus últimos dias na face da Terra e também um exímio angoleiro da Velha Guarda, mestre Gilberto, muito simpático, a cara do cantor Gilberto Gil e que tinha uma roda no último sábado de cada mês na longinqua e abandonada Barra da Tijuca. A mão do Destino poz mestre Camisa, pela primeira vez na nossa frente... mas só tinha alunos na tal roda e deixei para filmar na bela praia, totalmente vazia em pleno meio-dia de sábado. Camisa não ficou para o banho de mar.

Adiante, me tornei sócio do Clube Guanabara apenas para filmá-lo... certa vez subi numa cadeira durante um treino dele e passei a registrar a roda. Êle parou tudo e veio "tomar satisfações" : — Que diabos era aquilo" ?! Respondi-lhe que queria gravar um jogo dele ! Não se opoz ! A máquininha piscou, tremeu e acendeu a luz vermelha... não filmava se não havia iluminação suficiente. Desisti, mas como a Capoeira era DE GRAÇA para os sócios do clube — acredite quem quizer, mesmo assim os inscritos eram na maior parte "de fora" — me tornei aluno dele, por 2 semanas somente. A ginástica era demais, 100 ou 150 repetições de tudo e eu tomara raiva de ginástica no Exército, recruta que fui no ano anterior. Daí, com uma segunda via da carteira de sócio (com meu nome mas com a foto de meu irmão gêmeo) entrou em cena o "Sérgio Leiteiro", que completou o mês de aulas apenas praticando ginga, talvez porque fosse aluno do Lua.

Lua e boracha, roda na feira de Sao Cristovao Rio de Janeiro anos 70

De minha parte, continuei acompanhando as exibições e/ou apresentações de José Tadeu Carneiro onde podia, principalmente no CEU - Casa do Estudante Universitário, na "curva" do bairro do Flamengo. Cheguei a levar um caderno para "desenhar" golpes e movimentos dele, sem sucesso, até que me convenci que só uma filmadora poderia gravar com fidelidade a genialidade (na minha opinião particular) de um dos maiores capoeiristas do século passado, no Rio pelo menos. Está aí o filme, que não deixa ninguém mentir !

Em 1979, enquanto office-boy de uma multinacional de extração de bauxita, conheci um funcionário da CVRD que se propoz montar/colar os 12 ou mais rolinhos, para fazer disso um filme decente. E é esse filme de quase 40 minutos que irá rodar por uns VINTE MIL QUILÔMETROS, durante exatos 30 ANOS, atravessando boa parte do Brasil e até o oceano Atlântico — rumo à Europa — para navegar agora nas ondas da Internet e se transformar num produto a ser visto no Mundo inteiro. A primeira viagem foi do Rio para Belém, no Pará, em março de 1984... dentro de uma das 32 caixas enviadas pelo Correio, quando essa empresa não falhava tanto. E lá se foram os primeiros 3 MIL KM... até que um dia, nas férias de julho/1990, revendo os agora 2 rolos de filme Super8 no CENTUR, em Belém — na maior bilbioteca do Norte, salvo engano — decidimos que as rodas de Capoeira filmadas eram boas demais para ficarem restritas a 2 ou 3 pessoas.

Daí procuramos um amigo (na época) com boas relações e êle nos apresentou um professor da UFPA, a universidade "das greves", naquele tempo pelo menos. Se chamava Viegas ou Cubas... o nome pouco importa e morava num casarão antigo no bairro Cidade Velha, no qual se entrava pela garagem. Resolveu nos "esnobar", mostrando todo seu acervo de belas máquinas de fotografia e filmagem, inclusive uma tela automática, que descia e se enrolava sozinha. Queríamos um trabalho simples e rápido : projetar o rolo na tela e filmar dali. Êle queria qualidade e precisava de tempo, além de termos que deixar os filmes sob seus cuidados, o que não nos agradava nem um pouco. Acabamos por desistir... e os 2 carretéis de filme 8mm aguardariam por quase 8 anos uma nova viagem (em 1998 ?), agora de uns 4 MIL KM, para Curitiba, de onde retornariam em forma de moderna fita VHS.

Quando o Grupo Abadá-Capoeira se instalou em Belém (em 1995, salvo engano) meu irmão fez amizade com o representante dele na capital, prof. "Cobra Preta". Nas palavras dele..."assim que mestre Burguês nos mandou a fita VHS — êle transferiu o 8mm para esse novo formato — eu a emprestei para o "Cobra", ficando lá com êle uns 2 meses. Então veio mestre Peixinho — trazido por meu amigo Luís Carlos (de Icoaraci) — e tornei a emprestar a fita, agora por uma semana. Aliás, me. Peixinho chegou a ver uns 15 minutos do filme, antes de uma Oficina que deu em Belém. Anos depois veio a Belém mestre Camisa e lhe falei da (existência da) fita. Interessou-se e indicou-me seu aluno "Japonês" — dono da locadora "Sétima Arte" — que fez cópia de parte da fita, porque tinha um serviço urgente e eu não quiz deixar a fita com êle".

Dessa longínqua época (1998 /99) até 2008 sempre desejamos pôr à disposição do público as imagens gravadas VINTE ANOS antes no Rio (em 1977/78), desejo que poderia ter sido realizado por 3 ou 4 pessoas/Grupos que contactamos naquele tempo. Quando mestre "Guará" veio ao Brasil — em 2008, para uma semana de Capoeira e Oficinas no Nordeste — tentamos fazer uma cópia decente dos 40 minutos de filme VHS numa loja especializada aqui do bairro. O dono, desocupado, exigiu que a fita fosse deixada, apesar dos 25 reais exigidos... estava "sem tempo" para fazer o serviço na hora, embora a máquina trabalhe sem interferência nenhuma das mãos humanas. Recusamos ! No Pará "o impossivel acontece a toda hora... e toda espécie de impossivel !". Temíamos pela integridade do registro ou até pela troca do "miolo" da fita VHS por uma outra imagem qualquer. Mestre Guará tornaria a voltar ao Brasil mais uma vez, em agosto de 2009... exatamente na época em que um "milionário" resolve (re)contar a história (? !) da Capoeira(gem) na zona sul do Rio, recriando nela roupas — e suponho que até fatos — que nunca existiram. Era a hora exata para que nosso registro filmado fosse mostrado ao Mundo, o que finalmente seria feito... pelo garoto que foi objeto da PRIMEIRA FILMAGEM, do registro inicial feito pelos Irmãos Azevedo, mostrando a Capoeira baianíssima de mestre Lua (na época, de Canjiquinha, segundo Fátima Colombiano, vulgo "Cigana") e suas aulas no Morro dos Cabritos, em Copacabana, Rio de Janeiro, BRASIL.

A fita VHS sai de Belém para o Rio, outros 3 MIL KM se somando aos ONZE MIL KM já percorridos e de lá segue para a FRANÇA... mais uns 4 MIL KM, onde encerra uma história que demorou exatos TRINTA ANOS para ser contada e mostrada a tantos capoeiristas do Grupo SENZALA que dela fizeram parte, mesmo que por breves instantes. Computadores ETERNIZAM tudo o que gravamos neles... para o bem ou para o mal, para consagrar os bons e desmentir os que tentam iludir quem não viveu esse Passado de glórias da Senzala, linda Senzala, no dizer feliz de mestre Toni. Curtam esses momentos... são registros históricos e verdadeiros. Se uma imagem vale por mil palavras, que se dirá de um filme, então ?! "NATO" AZEVEDO (poeta e escritor)

 

 

 

Anarquismo, igualitarismo e libertação :

Comunicação apresentada ao XXVIIº Encontro Anual da ANPOCS GT Esporte, política e cultura Coordenadores : José Jairo Vieira e Ronaldo Helal Caxambu, outubro de 2003

Anarquismo, igualitarismo e libertação : A apropriação do jogo da capoeira por praticantes parisienses Simone Pondé Vassallo

Mestre em Ciências Sociais pela Université de Nanterre - Paris X Doutora em Antropologia Social e Etnologia pela EHESS - Paris Rua Visconde de Carandaí, nº 32 - Jardim Botânico Rio de Janeiro - 22460-020 E-mail : Cette adresse e-mail est protégée contre les robots spammeurs. Vous devez activer le JavaScript pour la visualiser. Fax : (021) 2259-1478

Esta comunicação pretende analisar uma leitura francesa do jogo da capoeira, a partir do estudo da Associação Maíra, composta por não brasileiros, que promove aulas de capoeira em Paris. Através da luta afro-brasileira, os membros desta associação veiculam ideais que consideram anarquistas e igualitários, e que permitiriam uma “libertação” da opressão causada pela sociedade de consumo capitalista e neoliberal. Procuro aqui compreender como estas representações se articulam ao jogo da capoeira veiculado por estes indivíduos, criando novos estilos de vida e novos modos de organização social .

O jogo da capoeira começou a se desenvolver na Europa a partir do final dos anos 1970, quando os primeiros capoeiristas brasileiros migraram - provisória ou definitivamente - para alguns países deste continente e começaram a ensinar esta arte aos estrangeiros. Este fenômeno se inscreve num movimento migratório mais abrangente de brasileiros rumo aos países industrializados, motivados por questões econômicas, que se intensifica a partir dos anos 1980. A capital francesa desempenhou um papel muito importante desde o início deste processo, sendo uma das primeiras cidades a acolher tais profissionais. Este fluxo de professores de capoeira brasileiros rumo à Europa foi se intensificando e, atualmente, as principais cidades do Velho Continente abrigam escolas dedicadas ao ensino da luta afro-brasileira. Paris conta com algumas dezenas delas, geralmente dirigidas por brasileiros que ensinam suas técnicas corporais a franceses e estrangeiros de diversas nacionalidades residentes na cidade. Muitos destes brasileiros são originários das classes populares de cidades como Recife, Rio de Janeiro e Salvador, mas há também alguns cariocas provenientes das camadas médias e com curso superior. Trata-se de negros, brancos e mulatos em busca de melhores condições de vida, que vêem o ensino da luta afro-brasileira no exterior como uma possibilidade de ascensão social. A Associação Maíra foi criada em Paris, em 1989, com o objetivo de “desenvolver a capoeira na França” e de “promover a cultura popular brasileira neste país”. Ela é composta por uma escola de capoeira e por um periódico que divulga notícias sobre o Brasil e sua cultura. Maíra era o nome atribuído pelos índios aos franceses que residiam na costa brasileira, durante o século XVI, com o intuito de aqui formar a França Antártica. Estes franceses possuíam a peculiaridade de assimilar inúmeros costumes indígenas, aprendendo suas línguas, desposando suas mulheres e vivendo como “selvagens”, de acordo com as representações da época. Muitas vezes, aliavam-se aos autóctones em suas lutas contra os colonos portugueses. Como estavam bem aclimatados nas terras tropicais, tornavam-se ótimos intérpretes entre seus conterrâneos que por aqui passavam e os indígenas com quem estes últimos precisavam se comunicar (Bernand e Gruzinski, 1993). Assim, a associação atual pretende ser a mediadora de dois povos e de suas respectivas culturas, agindo como os maíras do século XVI. Desde sua criação, Maíra possui uma especificidade em relação às demais : foi desenvolvida por capoeiristas franceses que estavam descontentes com seus mestres brasileiros, considerados excessivamente autoritários. Portanto, uma de suas peculiaridades reside no fato de não possuir nenhum brasileiro entre professores ou alunos. Seus fundadores declaram que esta organização nasceu de um “desejo de emancipação” em relação aos capoeiristas brasileiros, acusados de imporem um modelo de organização social extremamente rígido e hierarquizado, onde o aluno teria que se submeter cegamente aos desejos e imposições de seu professor . Consideram-se uma dissidência da capoeira “à brasileira” e fazem disto um traço fundamental da identidade desta instituição. Segundo eles, esta se torna, então, um espaço de relações igualitárias e de liberdade de expressão individual, onde desenvolvem o que chamam de “trocas horizontais de saber”, ou seja, onde cada um transmite seus conhecimentos aos colegas, sem hierarquização dos participantes. Neste sentido, tentam elaborar um modo de organização social que acreditam ser o oposto daquele veiculado pelos colegas brasileiros, e que veremos a seguir. As críticas dos integrantes de Maíra não se limitam aos praticantes brasileiros, elas se estendem a toda a sociedade capitalista neoliberal, acusada de impor relações de dominação e de exploração, contra as quais pretendem lutar. É neste sentido que o desejo de criação de um espaço de relações sociais igualitárias e não opressoras deve ser compreendido. Os fundadores da associação são quase todos originários de subúrbios situados ao sul de Paris, caracterizados por uma população de baixo poder aquisitivo. São todos homens e ex-praticantes de outras artes marciais que abandonaram suas atividades esportivas por considerarem-nas excessivamente autoritárias e hierarquizadas. A capoeira pareceu-lhes encarnar o contrário desta tendência, sendo percebida inicialmente como um espaço altamente democrático, onde todos praticam juntos e sem distinções : homens e mulheres, velhos e crianças, gordos e magros, ricos e pobres. Esta atividade tornou-se assim uma excelente alternativa para estes esportistas descontentes do excesso de autoritarismo das outras lutas. Aos poucos, foram percebendo que a luta afro-brasileira também era altamente hierarquizada e decidiram desenvolver o seu próprio modo de praticá-la. A ocupação dos atuais integrantes da associação é bastante diversificada. Muitos são estudantes de 2º Grau ou universitários. Alguns são ex-praticantes de outras lutas, outros são artistas, sobretudo músicos, acrobatas ou dançarinos (sobretudo as mulheres). Há ainda praticantes de skate, de rollerblade e de hip-hop, englobando atividades que os franceses classificam como “artes da rua”. Portanto, há uma grande diversidade sócio-cultural que torna difícil uma classificação rígida em termos de pertencimento de classe. A nacionalidade dos praticantes também é variada. Há muitos franceses, mas também pessoas de países europeus vizinhos, do Caribe francês e de ex-colônias francesas da África do Norte e da África negra. A faixa etária dos alunos situa-se entre os 15 e os 25 anos, ao passo que os fundadores têm entre 30 e 40 anos. Trata-se da escola de capoeira parisiense com o maior número de alunos, contando com cerca de 70 a cada aula, ao passo que as escolas dirigidas por brasileiros possuem no máximo 50 alunos por aula. A sala de aula se situa no ginásio de uma escola pública, num local bastante ermo, no extremo sul da cidade. Esta localização não é fortuita : no imaginário dos membros da Associação, trata-se de uma tendência oposta à dos professores brasileiros de capoeira, que escolhem bairros da moda para dar aulas, sobretudo o da Bastilha. Assim, opõem-se a estes últimos, buscando um lugar mais “alternativo” para realizarem seus exercícios. Ainda segundo os integrantes de Maíra, a sala de aula é suja, pois o chão nunca é varrido, ao contrário das salas mantidas por professores brasileiros, que seriam constantemente lavadas. As duchas e os vestiários são mistos, misturando corpos nus de homens e mulheres. Todas estas características são valorizadas pelos alunos e parecem refletir a preferência por um estilo de vida não convencional. A organização das aulas de capoeira propriamente ditas exprime bem o ideal de liberdade individual. Evita-se a disposição dos alunos em fileiras paralelas, tal como ocorre nas aulas de capoeira convencionais, e opta-se por dispersar os alunos pela sala, cada qual ocupando o lugar que bem desejar. Ao invés de alunos realizando simultaneamente os mesmos exercícios, cada um faz os movimentos ao seu próprio modo e de acordo com o seu ritmo individual. Os papéis de professor e aluno são minimizados e este último não é obrigado a realizar aquilo que o primeiro apenas sugere. Estimula-se cada um a ficar bem à vontade e a fazer apenas aquilo que julgar mais apropriado, sem sofrer nenhum tipo de pressão em sentido contrário. Assim, cada integrante opta por seguir ou não os exercícios sugeridos pelo professor e por participar ou não da roda de capoeira que sucede os exercícios físicos. Os integrantes de Maíra também reivindicam uma grande tolerância em relação às roupas. Ao contrário do que ocorre nas escolas de capoeira brasileiras, não há nenhum uniforme característico desta associação e cada um pode fazer aula trajado como quiser. Muitos optam por roupas largas que se contrapõem às malhas sensuais e rentes ao corpo utilizadas pelos brasileiros. Outros preferem vestir macacões azuis que caracterizam o uniforme de certos operários franceses. Um aluno francês usa durante as aulas uma camisa laranja da Comlurb, a companhia de limpeza urbana do Rio de Janeiro. O uso da corda amarrada à cintura, cuja cor explicita o nível técnico do jogador - semelhante à faixa utilizada no judô e no karatê -, também não é obrigatório e a maioria opta por não utilizá-la, por acreditar que esta atitude contribuiria para uma hierarquização das pessoas. Muitos valorizam um comportamento que consideram ser anti-esportivo, caracterizado por cabelos despenteados, roupas proletárias, corpos com pouca musculatura, pessoas aparentemente sujas, consumo eventual de tabaco, drogas leves e álcool ao final das aulas e, sobretudo, pela ausência de competição entre os participantes. Neste espaço que se quer igualitário, os membros da associação acreditam que ninguém se compara aos outros e que os limites individuais são respeitados. As representações relativas ao dinheiro também constituem um fator importante de diferenciação dos integrantes de Maíra. A vontade de denunciar as relações de autoridade e de dominação faz com que o dinheiro adquira um sentido muito específico, tornando-se um símbolo de exploração e de hierarquização e que deve, portanto, ser rejeitado. Assim, estes jovens franceses defendem uma capoeira democrática e accessível a todos que queiram participar. O preço que cobram é bem abaixo do mercado, correspondendo a menos de quatro dólares por aula. Tal como outras expressões culturais afro-americanas, a capoeira se torna um grande símbolo de libertação e de resistência à dominação, por ter sido criada por escravos e preservada apesar de toda a repressão sofrida . Influenciados por estas representações, os jovens praticantes franceses acreditam que a capoeira não pode se transformar num negócio, o que significaria a sua descaracterização, o rompimento com os seus princípios básicos. As escolas que cobram caro são acusadas de perpetuar as relações de exploração, de criar novos mestres e escravos e de selecionar os praticantes. Segundo o atual professor da associação, a capoeira não pode se tornar um comércio, uma mercadoria que favoreceria o enriquecimento de alguns e o empobrecimento de outros. Ninguém deve enriquecer através desta atividade, pois esta deve permanecer marginal ao sistema produtivo e à sociedade de consumo. Além disso, de acordo com estes mesmos jovens, a capoeira deve ser praticada por paixão. Neste sentido, ela parte de um sentimento nobre que deve ultrapassar o aspecto mesquinho e utilitário do dinheiro e do lucro, e aqueles que a transmitem motivados por um interesse meramente comercial são abertamente condenados. De acordo com este mesmo ponto de vista, é injusto proibir a participação de alguém apaixonado pela capoeira mas sem recursos para pagar as aulas, pois o dinheiro não pode ser um obstáculo aos que quiserem se entregar de corpo e alma a esta atividade. Assim, a luta afro-brasileira é algo que se faz por amor, opondo-se às relações interessadas e pragmáticas do mundo do capital. Por isso não pode ser poluída pelo dinheiro, comercializada ou fazer parte do “sistema”. Na realidade, não é apenas na capoeira que não se pode enriquecer, mas na vida em geral, e toda atividade lucrativa passa a ser mal vista. Prega-se um estilo de vida alternativo que rejeita as noções de lucro e de trabalho regular e disciplinado. A luta afro-brasileira, tal como é praticada pelos membros desta associação, torna-se então o símbolo deste estilo de vida marginal ao sistema, um não-trabalho que se adeqüa perfeitamente aos seus projetos de vida não utilitários. O professor da associação encarna bem estes ideais, pois sua única fonte de renda provém das aulas de capoeira, que só realiza duas vezes por semana, à noite. Apesar de possuir um diploma técnico de nível médio em marcenaria, quase não exerceu esta profissão, pois sua paixão consiste no aperfeiçoamento de técnicas corporais. Ganha apenas o suficiente para sobreviver e não consegue se imaginar cobrando mais caro pelas aulas, pois veria nisto uma atitude de exploração que o deixaria culpado. Para os alunos, ele cristaliza o modo de vida não convencional com o qual se identificam. Alguns integrantes de Maíra querem integrar a capoeira a projetos de vida itinerantes. Pretendem levar a vida viajando e fazendo da luta afro-brasileira uma moeda de troca. Acreditam que em qualquer lugar do mundo poderão jogar capoeira e receber hospedagem, comida ou algum trocado em contrapartida, ao mesmo tempo em que se divertem e distraem o público espectador. A idéia das trocas horizontais torna-se aqui fundamental : a capoeira passa a ser vista como um excelente meio de comunicação com os nativos que não impõe nenhuma relação de poder entre as partes envolvidas. De acordo com este tipo de representação, a capoeira liberta os indivíduos dos constrangimentos do mundo da produtividade, tais como a submissão que caracteriza a relação patrão-empregado ou a frustração causada por um trabalho enfadonho e monótono. Ela liberta o capoeirista das relações de dependência, fornecendo-lhes o seu próprio instrumento de trabalho : o corpo. Assim, o praticante adquire uma autonomia de vida, pois não precisa se submeter a ninguém. Ele também adquire uma liberdade de deslocamento, ao mesmo tempo em que integra o universo do prazer e do lúdico, supostamente ofuscado pelo mundo do trabalho. Os grupos de capoeira considerados mais ortodoxos, que custam caro e exigem disciplina e hierarquização, encarnam o mundo do trabalho e da obrigação, onde não há espaço para o prazer, apenas para a opressão. A crítica à economia neoliberal e todo o modo de vida que esta acarreta conduz os integrantes da associação a simpatizar com ideais que chamam de anarquistas. Para eles, estes se expressariam através de uma sociedade sem ordem, exército ou polícia, onde a organização social partiria da própria iniciativa dos cidadãos. Ou seja, trata-se de uma sociedade sem poder centralizado e aparentemente igualitária, pois desprovida de relações de dominação e de agentes institucionalizados de repressão. A capoeira por eles veiculada torna-se então o grande símbolo deste mundo novo, ou ao menos um modelo a partir do qual seria possível erigi-lo. Neste sentido, a luta afro-brasileira é percebida como uma atividade revolucionária por excelência, um modo de organização marginal ao sistema, uma maneira de contestar os valores do mundo capitalista. Ela se torna uma alternativa ao sistema neoliberal, um modo anárquico e igualitário de organização social, onde não haveria superiores e inferiores e nem centralização de poder. Deixa de ser uma simples técnica de luta para ser vista como uma “idéia de liberdade”. Segundo os alunos, ir a uma aula de capoeira significa então uma luta para não cair nas armadilhas do sistema capitalista, uma conscientização de que existe uma forma de opressão na sociedade e que é preciso combatê-la. A aula se transforma num meio de se emancipar do mundo burguês e de adquirir liberdade. Ou seja, trata-se de um ato de rebeldia que pode ser compreendido como uma atitude política de contestação da sociedade neoliberal e das relações de dominação por ela impostas. No entanto, apesar de suas convicções ideológicas, os integrantes da associação não participam da política no sentido convencional : não acreditam nos partidos políticos e, conseqüentemente, não votam nas eleições. A divulgação da capoeira na mídia francesa - estratégia muito utilizada pelos professores brasileiros desejosos de aumentar o seu contingente de alunos - é duramente criticada pelos membros da associação, que preferem não “contaminar” a capoeira com estes “agentes da dominação”. Assim, esquivam-se dos jornalistas, evitando entrevistas que documentem o seu trabalho. Segundo estes praticantes, a capoeira também pode ser vista como uma luta contra o racismo. Eles a definem como uma atividade eminentemente mestiça, fruto de uma grande mistura de povos. A associação francesa, freqüentada por pessoas de todas as cores, etnias, nacionalidades e classes sociais, passa a ser considerada um excelente antídoto contra qualquer tipo de segregação e de exclusão. Para os membros da associação, o local de origem da capoeira é a rua, que encarna a própria essência desta atividade. Este espaço adquire representações muito específicas, tornando-se um lugar de crítica social, de contestação do poder, de insubmissão e de indisciplina. A rua passa a ser percebida como o lar dos pobres, dos excluídos do mundo capitalista, dos marginais do sistema, que desenvolvem novas formas de expressão. Transforma-se então num espaço de liberdade por excelência, opondo-se às limitações do mundo burguês convencional. Adquire o sentido de um contra-poder, tal como a própria capoeira, vista como um fruto deste ambiente de liberdade de expressão. As escolas ortodoxas, localizadas em espaços fechados e consideradas excessivamente codificadas, ao contrário, representam o mundo burguês da dominação e da opressão, não deixando espaço para a criatividade. A floresta também pode cristalizar um ambiente “livre” e paralelo ao sistema capitalista. A história de vida do professor da associação ilustra bem este tipo de representação que repercute no imaginário de seus alunos. Durante alguns anos, morou numa região francesa considerada bastante rústica, chamada Ardèche. Sua casa ficava no meio de uma floresta, era bastante simples e não tinha luz elétrica, fato muito raro neste país. Segundo os alunos, o professor vivia como um hippie, trabalhando como lenhador, banhando-se nu nos rios e praticando capoeira solitariamente, ou na companhia de alguns amigos que por lá passavam. Para os integrantes da associação, este momento representou o apogeu da carreira de capoeirista do professor, quando o mesmo teria atingido a sua melhor forma física. Este relato, que tanto os faz sonhar, exprime a recusa do modo de vida urbano e industrial, caracterizado pelo ciclo casa-transporte-trabalho. A vida na floresta passa a representar um retorno simbólico a uma idade de ouro da humanidade, onde todos estariam em harmonia consigo próprios, com os outros e com a natureza, onde cada um colheria o fruto do seu próprio trabalho e onde não haveria relações de dominação (Léger e Hervieu, 1979). No entanto, neste ambiente, a capoeira se torna uma atividade absolutamente individualizada e interiorizada que exclui todo o universo social que a caracteriza no Brasil. A praia é um outro espaço considerado livre e democrático que encarna a “essência” da capoeira. Tal como a rua, ela é vista como um local gratuito e accessível a todos, onde não há hierarquização dos indivíduos. A praia representa o pólo da natureza, por oposição ao de uma cultura opressora que tentam permanentemente negar. Este lugar não codificado por nenhuma regra cultural permitiria então a emergência de modos de expressão absolutamente inovadores e conduziria à “libertação” plena dos indivíduos. Por ser pensada como um estado puro de natureza, ela representa a pureza, um espaço não contaminado pelos valores do mundo moderno e pela estratificação social que o caracteriza. No Brasil, ela seria, então, o ambiente “natural” da prática da capoeira, o local favorito dos brasileiros para a realização desta atividade, por possuir todas as características mencionadas. De modo bastante emblemático, os integrantes desta organização afirmam que “Maíra é a praia em Paris”. Com isso, expressam a vontade de transformar a sua escola num ambiente de igualdade e de absoluta liberdade de expressão. Estes espaços tornados míticos, como a rua, a floresta e a praia, parecem sugerir uma atração pelo “fim-de-mundo” (Léger e Hervieu, 1979), ou seja, a crença de que nos locais mais ermos e supostamente abandonados pela civilização ocidental encontrar-se-iam pessoas mais livres e autênticas no seu modo de vida e de expressão. Neste sentido, o professor da associação acredita que nos recantos mais distantes e perdidos do Brasil e da China os indivíduos conseguem realizar as maiores proezas a nível corporal. A cidade brasileira de Montes Claros, onde se encontra a escola de capoeira de seu próprio mestre, ilustra bem este tipo de representação. Situada ao norte do Estado de Minas Gerais, próxima à divisa com a Bahia, esta cidade cristaliza a pobreza e o abandono, mas também a não contaminação pelo sistema capitalista. Assim, os membros da associação acreditam que esta localidade produz os melhores capoeiristas, dotados de uma enorme liberdade corporal. A idéia de pobreza também possui grandes atrativos para estes franceses. Esta também encarna os espaços que o mundo capitalista não conseguiu invadir com seus tentáculos. As classes populares, suas expressões culturais e seus locais de moradia representam então ambientes igualitários e marginais ao sistema econômico dominante, dotados de modos alternativos de organização social. A capoeira seria uma destas expressões culturais veiculadas pelas classes oprimidas, daí o grande interesse que desperta. Além disso, é cultivada por pessoas originárias de um país considerado pobre, o Brasil. Assim, este país adquire uma conotação específica, associada à pobreza e, conseqüentemente, à liberdade de expressão. Tais representações acerca do Brasil conduzem inúmeros capoeiristas franceses a querer conhecê-lo de perto. Estes organizam então viagens individuais ou em grupo para esta localidade considerada ao mesmo tempo pobre e ponto de origem da luta afro-brasileira. Nestas viagens, busca-se um país rústico, tradicional e exótico que encarne um modo de vida oposto ao do mundo ocidental moderno. Assim, os alunos elaboram cuidadosamente alguns roteiros, que incluem a visita a favelas, mercados populares e pequenas cidades excluídas dos circuitos turísticos tradicionais. As grandes cidades e seus bairros nobres são discretamente afastados da programação, com a exceção do Rio de Janeiro e de Salvador, consideradas verdadeiras mecas da capoeira. A cidade de Montes Claros torna-se um dos grandes atrativos destes capoeiristas franceses, um ponto de passagem obrigatório durante a viagem. Além de abrigar a escola do mestre considerado padrinho da associação, ela é vista como um lugar rústico e pobre, um verdadeiro fim-de-mundo, onde as crianças vivem sujas e jogam capoeira o dia todo. Nestes deslocamentos, a possibilidade de participar de projetos sociais é bastante atraente. Recentemente, o mestre da escola de Montes Claros, que vive atualmente na Holanda, organizou uma viagem ao Rio de Janeiro com seus alunos de Amsterdã e da associação Maíra. O objetivo da viagem era o de ajudar um mestre carioca a organizar um mutirão para construir uma escola de capoeira no morro da Babilônia, favela situada próxima ao início da praia de Copacabana. Muitos integrantes da associação aceitaram imediatamente a proposta, considerando muito positiva a idéia de ajudar os que estão necessitados. Para eles, este projeto representava um verdadeiro trabalho anarquista, na medida em que era fruto da livre capacidade de organização dos indivíduos e absolutamente marginal ao Estado. Esta viagem foi exemplar em vários aspectos, possibilitando manipulações simbólicas que propiciariam a tão esperada “libertação”. O contato com a favela e seus moradores, bem como a participação no mutirão, permitiam a descoberta de um Brasil popular a partir de uma perspectiva de ajuda mútua, de trocas horizontais marginais ao sistema dominante. Tal empreitada também satisfazia a busca de uma vida sem luxos, próxima da natureza e de seres humanos mais “verdadeiros” - os moradores da favela -, pois supostamente situados à margem da sociedade de consumo capitalista e burguesa. Este espaço, desfavorecido sob inúmeros aspectos, exercia um enorme fascínio sobre os jovens europeus, encantados com a simplicidade do povo e com a natureza exuberante, expressa sobretudo no verde das matas e na esplêndida vista sobre o mar azul. Alguns sentiram vontade de morar ali. A praia, mágica e resplandecente, situada bem em frente à favela em questão, sensibilizou rapidamente o coração destes jovens repletos de idealizações a respeito deste local. Assim, no mesmo dia em que chegaram à cidade, depois de uma cansativa noite de vôo, deixaram correndo as suas malas no local onde estavam hospedados e correram para a beira-mar, onde começaram a jogar capoeira, sozinhos ou em pequenos grupos. De repente, a praia de Copacabana transformou-se no palco de um espetáculo bastante curioso, em que cerca de cinqüenta europeus se espalhavam pela areia branca realizando movimentos de capoeira. Neste momento, não estavam preocupados em saber o que os nativos iriam pensar. Entregavam-se de corpo e alma à performatização da tão desejada “libertação”.

Através do estudo dos integrantes da Associação Maíra, podemos observar como a capoeira se torna um instrumento político de contestação do sistema capitalista neoliberal, acusado de impor relações de dominação e, conseqüentemente, de hierarquização dos indivíduos. O advento da sociedade burguesa e de consumo alienaria os cidadãos e ameaçaria as relações igualitárias entre os homens, bem como a esfera do lúdico e do prazer. A capoeira surge então como uma nova possibilidade de organização social, alternativa ao sistema, pois conduziria à liberdade e à igualdade dos cidadãos. Através desta atividade, os jovens franceses tentam reconstruir um mundo que consideram melhor e mais justo, pois livre das relações de dominação e de opressão. Assim, a retórica da capoeira como sendo a luta de libertação de um povo oprimido, tão cara aos capoeiristas residindo no Brasil, adquire aqui novos contornos. Os dominados não são mais os escravos vivendo numa sociedade escravocrata, mas os explorados do mundo capitalista, independentemente de sua nacionalidade, cor de pele, classe social ou idade. O discurso da libertação se universaliza, podendo se aplicar a qualquer um que se considere oprimido pelo sistema. No entanto, as críticas à hierarquia social e à centralização realizadas pelos integrantes de Maíra dirigem-se não apenas à sociedade capitalista neoliberal, mas também à capoeira “à brasileira”, que se torna sinônimo de opressão na medida em que imporia relações muito autoritárias entre o mestre e o aluno, tolhendo este último de toda e qualquer possibilidade de liberdade individual. Chega-se assim a um impasse interpretativo : os capoeiristas brasileiros, geralmente negros ou mulatos e originários das classes populares, saem de sua posição de oprimidos e se tornam opressores. Os franceses, na condição de alunos de mestres brasileiros, ocupariam o lugar dos oprimidos, invertendo as relações de dominação. Mais do que isso, a capoeira como um todo deixa de ser uma luta de libertação para encarnar um modo de exploração e de dominação. Mas sabemos que o discurso e a prática dos atores sociais costumam ser repletos de contradições em suas representações, e que a busca de uma perfeita coerência é uma tarefa impossível para o pesquisador. Portanto, parece-me que os integrantes de Maíra, em sua ânsia de construir um mundo melhor, sequer percebem a teia de contradições que estão tecendo.

Bibliografia

BERNAND, Carmen & GRUZINSKI, Serge. Histoire du nouveau monde. Les métissages. Paris, Fayard, 1993. CAPONE, Stefania. “D’une identité religieuse à une identité ‘éthnique’ : la communauté transnationale des pratiquants de la religion des orisha”. Comunicação apresentada ao VIII Congresso latino-americano sobre religião e etnicidade. Padova, Itália, 30 de junho-5 de julho de 2000. LANGLOIS, Valentin. L’implantation de la capoeira en France. Le cas de Maíra. Mémoire de Maîtrise en Ethnologie, Université de Paris X - Nanterre, 1998. LÉGER, Danièle & HERVIEU, Bertrand. Le retour à la nature. “Au fond de la forêt... l’Etat”. Paris, Seuil, 1979. TRAVASSOS, Sônia Duarte. Capoeira : difusão e metamorfose culturais entre Brasil e EUA. Tese de Doutoramento do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000. VASSALLO, Simone Pondé. “La Capoeira d’Angola : survivance du passé ou invention du présent ?” In : Cahiers du Brésil Contemporain, nº thématique “Les mots du discours afro-brésilien en débat”. Paris, juillet, 2003.


. Ethnicité, tradition et pouvoir. Le jeu de la capoeira à Rio de Janeiro et à Paris. Thèse de Doctorat en Anthropologie Sociale et Ethnologie, Paris, EHESS, 2001.


. “La capoeira à Rio de Janeiro : des rues aux academies”. In : DORIER-APPRIL, Elisabeth (org.), Danses “latines”, d’une rive à l’autre. Paris, l’Harmattan, 2000.


. Le jeu de la capoeira : style de vie et vision de monde en milieu urbain brésilien. Mémoire de DEA en Sciences Sociales, Université de Paris X - Nanterre, 1996.

 

Carlos Eugenio Líbano Soares. A capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro (1808-1850). Campinas, Ed. da UNICAMP, 2001.

Estudo aponta que a capoeira ocupava no imaginário do Rio de Janeiro do século 19 lugar e função semelhantes aos do narcotráfico, atualmente.

A construção social da violência por Daniel Buarque.

Longe da expressão lúdica e popular que hoje representa sobretudo uma cultura e um esporte, a capoeira surgiu no Brasil do século 18 como símbolo da luta contra a ordem policial e repressiva, marcada pela violência e criminalidade. Para o historiador Carlos Eugênio Líbano Soares, 42, um dos poucos especialistas no Brasil em "cultura escrava" urbana, a capoeira era alvo da disputa de interesses que envolviam política e violência. Segundo ele, ela pode ser comparada ao crime organizado dos dias de hoje. Líbano Soares encontrou na capoeira a principal expressão da cultura escrava no meio urbano no século 19, especialmente na cidade do Rio de Janeiro, área em que concentrou mestrado e doutorado. "Muito se sabia sobre a escravidão, mas quase todos os estudos são voltados ao meio rural, a fazenda, o engenho, a senzala. O meu interesse era estudar a cultura do escravo na cidade, como se construiu a identidade negra e a imagem do negro no meio urbano", disse em entrevista ao Mais !. A pesquisa de doutorado, "A Capoeira Escrava - E Outras Tradições Rebeldes no Rio de Janeiro (1808-1850)", publicada pela primeira vez em 2001, ganha agora reedição.

- O que era a capoeira como fenômeno sociológico ?

A capoeira é uma combinação de diversas partes africanas -não veio pronta da África-, construída na escravidão. Ela nasce como um espaço de defesa e de afirmação física do escravo no ambiente urbano mas também como forma de socialização. O grupo é que defende o indivíduo, não é uma coisa individualista.

- E onde aparece a tradição rebelde da capoeira ?

Na verdade, no século 19 a capoeira era uma questão criminal, não uma questão cultural. Ela foi uma das tradições rebeldes mais diretamente conflitantes com a ordem escravista. Ela era a única que enfrentava diariamente a repressão, tanto que a violência da repressão do Estado colonial e imperial era maior sobre os escravos capoeiras, que chegavam a receber 300 chibatadas, que é o mesmo que condenar à morte. Não há nenhum crime, nenhuma prática escravista com uma punição tão severa quanto a capoeira, porque ela possibilitava ao escravo, mesmo que franzino, enfrentar diretamente a ordem do Estado policial.

- Qual o lugar do capoeira na sociedade ?

Em relação ao poder privado, aos seus donos, os escravos capoeiras tinham muito mais harmonia do que em relação ao poder público. A capoeira era tolerada porque era praticada no espaço das ruas. Para o senhor só interessava o que acontecia dentro de casa. E os escravos eram usados como capangas, então a capoeira não era uma ameaça direta à escravidão, ela era uma ameaça direta à ordem pública, ao Estado.

- Existe alguma relação direta entre a capoeira e os movimentos de resistência à escravidão ?

Temos que pensar na capoeira como uma arma importante no espaço urbano de enfrentamento contra o Estado e entre grupos urbanos. Ela foi usada contra portugueses, contra

irlandeses, mas sempre articulada com outros movimentos. Não há indícios de uma ação política exclusivamente da capoeira. Ela está fragmentada : grupos escravos que agem de forma espalhada na cidade e de forma difusa. Se houvesse uma articulação, ela possivelmente teria um papel político maior.

- Em relação à resistência à escravidão, o fenômeno mais conhecido é o dos quilombos, que era estritamente rural. Quais as diferenças entre a resistência desses quilombos e a dos capoeiras ?

O quilombo é uma forma de luta ligada à mobilidade. Raramente o quilombo enfrenta diretamente as forças repressoras. Já a capoeira foi criada como o enfrentamento do escravo no meio urbano. Ela se assemelha um pouco a uma guerra de guerrilha, no labirinto da cidade. Quilombo e capoeira são formas de resistência diferentes para diferentes tipos de escravidão, a primeira para o meio rural e, a segunda, para o meio urbano.

- A que outros movimentos históricos se pode ligar a capoeira ? Quem seriam os capoeiras de hoje ?

A capoeira no século 19 é temida como uma espécie de crime organizado. Havia vários tipos de crime no Rio à época, mas, quando a polícia se refere à capoeira, se refere como aqueles que enfrentam diretamente. Grupos que têm proteção política, impunidade, que conseguem enganar a polícia e a própria Justiça, que têm elementos da classe dominante que os protegem, que trabalham como capangas e servem a uma certa ordem política conservadora, e por isso não são presos. O discurso contra a capoeira no século 19 se assemelha ao discurso contra o crime organizado, o tráfico de drogas. Um crime rendoso, com uma rede de proteção muito grande, com pessoas da alta sociedade envolvidas, protegendo e mantendo esses grupos e por isso garantindo a impunidade deles. Eram os políticos que contratavam os capoeiras para se livrar de seus rivais. No imaginário da classe média da época, a capoeira ocupava um lugar semelhante ao ocupado hoje pelo crime organizado e pelo tráfico de drogas no imaginário da mesma classe média.

- Qual a relação existente entre a capoeira e a violência urbana no século 19 ?

Ela nasce como forma de defesa do escravo contra a violência, mas se torna um vetor da violência urbana. Há uma visão muito romântica, que eu combato, de que o escravo quer a liberdade acima de tudo. Na verdade ele está dentro de uma sociedade em que a violência já existia, a capoeira reage a isso, mas também passa a influenciar essa violência. Havia lutas de grupos por domínios geográficos, uma questão de poder organizado de um Estado paralelo. Cada freguesia do Rio tinha um grupo diferente. Quando outro invadia seu espaço, era a senha para o confronto. Havia um controle informal, uma geografia inquieta semelhante à atual guerra das drogas. Assim como hoje há, no Rio, o Comando Vermelho e o Terceiro Comando, havia na época nagoas e guaiamus. Os nagoas dominavam a periferia, são grupos de origem africana, e os guaiamus dominavam o centro da cidade. Eles estavam disputando espaço o tempo todo e em confronto constante também com a polícia. A partir de 1870, quando surgem os interesses políticos, a polícia passa a ser tolhida pelo poder político. A política interfere na polícia, assim como acontece hoje. E a polícia, ao invés de ser vetor da ordem, passa a ser vetor da desordem, por conta da corrupção e dos interesses políticos envolvidos na manutenção dos capoeiras. É uma verdadeira luta por espaço, pelo espaço da economia urbana. O escravo era trabalhador, e a capoeira é importante na afirmação desse trabalhador urbano, ao contrário da visão preconceituosa que chamava os capoeiras de preguiçosos.

- E o que é a capoeira hoje em dia ?

Ela ainda é uma manifestação violenta, mas apenas episódica e residual. No século 20, por meio dos mestres Bimba e Pastinha, surge a capoeira baiana, que era quase inexistente durante o século 19. Ela agora é transformada num evento cultural e esportivo, saindo do mundo do crime, se transformando um evento lúdico, popular. É como falar, hoje, que no século 22 o tráfico pode ser tratado como cultura. Dizer, hoje, que o tráfico é cultura é de espantar ; o mesmo espanto era causado ao chamar a capoeira de cultura no século 19.

*Publicado na Folha de São Paulo, Folha Mais, São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004.

 

 

A quem interessar possa. Exatamente, no dia 05/04/2009, os alunos do Mestre João Pequeno promoveram o evento:Pastinha e seus sucessores, cujo objetivo foi reunir ex-alunos da escola do mestre Pastinha. Na ocasião, além de discorrer sobre o uso das cores amarela e preta pela maioria dos praticantes de capoeira angola, tive a salutar oportunidade de compartilhar lembranças que marcaram o meu início nessa arte na presença de Fernando PM, Gildo, Bola Sete, Vermelho(o de Ondina),além do próprio mestre João Pequeno.Nunca afirmei ter sido aluno do mestre Pastinha. No Pelourinho, ainda criança, além de absorver parte do conhecimento de outros mais antigos na casa, tive o prazer de treinar com os mestres João Grande e João Pequeno ; ainda vivos para confirmar o meu relato. Leiam o livro do mestre João Pequeno.Se não me engano, na página 11, ele conta parte da minha história. Nada me falta, enquanto mestre de capoeira angola, em consequência de não ter treinado diretamente com o saudoso mestre Pastinha(tenho dado provas disso). Tive o prazer de conheçê-lo e, realmente, certa feita trouxe os meus alunos do Rio de Janeiro para conheçê-lo.Sempre corrigi quando fui confundido na minha afirmação, inclusive chamando a atenção para o fato de que um físico não terá a sua competência diminuida porque esse profissional não teve a oportunidade de tomar aulas com Isaac Newton. Essa é uma boa discussão quando não tende para o desmerecimento de ninguém, mas para freiar o comportamento de alguns que têm transformado mentiras em tradição, seja no que concerne ao nome do mestre Bimba ou do mestre Pastinha. Focar a discussão em meu nome e de outros pode ser uma estratégia de alguns para que não venham a ser descobertos.

Mestre Moraes.

http://mestremoraes-gcap.blogspot.c...

REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE MESTRE DE CAPOEIRA - MESTRE GAVIÃO PROJETO DE LEI N° 2858, DE 2008 (Do Sr. Carlos Zarattini)

Dispõe sobre a regulamentação da atividade de capoeira e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta :

Art. 1º.É livre o exercício da atividade de capoeira em todo território nacional.

Art. 2º. A atividade de capoeirista aplica-se a todas as modalidades em que a capoeira se manifesta, seja como esporte, luta, dança, cultura popular e música.

Art. 3º. A capoeira, em todas as suas modalidades, é declarada bem de natureza imaterial, na forma do art. 216 da Constituição Federal, devendo o Poder Executivo tomar as providências necessárias para proceder ao seu registro e divulgação.

Art. 4º. É livre a atividade de capoeira nas modalidades de esporte, luta, dança, cultura popular e música, devendo ser incentivadas e apoiadas pelas instituições públicas e privadas.

Parágrafo único. A capoeira nas modalidades luta e esporte é considerada como atividade física e desportiva, podendo ser exercida na forma lúdica, amadora e profissional.

Art. 5º. Ficam reconhecidas como profissão as atividades de capoeira nas modalidades luta e esporte.

Parágrafo único. Ficam reconhecidos como Contramestre e mestre os profissionais com dez anos ou mais na profissão.

Art. 6º. É privativo do capoeirista profissional :

I – o desenvolvimento com crianças, jovem e adultos das atividades esportivas e culturais que compõem a prática da capoeira em estabelecimentos de ensino e em academias ;

II – ministrar aulas e treinamento especializado em capoeira para atletas de diferentes esportes, instituições ou academias ;

III – a instrução acerca dos princípios e regras inerentes às modalidades e estilos da capoeira ;

IV – a avaliação e a supervisão dos praticantes de capoeira ;

V – o acompanhamento e a supervisão de práticas desportivas de capoeira e a apresentação de profissionais ;

VI – a elaboração de informes técnicos e científicos nas áreas de atividades físicas e do desporto ligados à capoeira.

Art.7º. Fica a cargo do Poder Executivo a criação dos Conselhos Federal e Regionais dos capoeiras.

Art.8º. As unidades de ensino superior que ministrem cursos de graduação em Educação Física manterão em sua grade curricular a formação em capoeira nas modalidades luta e esporte.

Art.9º. As unidades de ensino fundamental e médio integrarão em sua grade curricular a prática da capoeira nas modalidades de luta, dança, cultura popular e música.

Art.10. Fica instituído o Dia Nacional da capoeira e do Capoeirista a ser comemorado anualmente no dia 12 de setembro.

Art.11. Compete aos órgãos públicos de educação, esporte, cultura e lazer promover atividades que explorem as origens culturais e históricas da capoeira, bem como sua prática nas diversas modalidades referidas nesta lei.

Art. 12. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

A capoeira é uma expressão cultural que mistura esporte, luta, dança, cultura popular e brincadeira, desenvolvida por descendentes de escravos africanos trazidos ao brasil, além de representar a resistência dos negros à escravidão.

Poucos se lembram, mas um dia a arte da capoeira já foi considerada criminosa e sua prática banida. Estávamos no início do período republicano e uma das providências do Presidente Marechal Deodoro da Fonseca foi editar um decreto (Decreto-Lei nº 487, de 1890) determinando que todo capoeirista pego em flagrante seria desterrado para a Ilha de Fernando de Noronha. A criminalização durou até 1937, quando, por iniciativa do Presidente Getúlio Vargas, a capoeira foi descriminalizada e reconhecida como esporte autenticamente nacional.

Desde então a capoeira vem crescendo no brasil e se espalhando pelo mundo. Tendo em vista a importância da capoeira como patrimônio de nossa cultura e sua disseminação como esporte, dança, cultura popular, lazer e meio de inserção social, propomos o presente Projeto de Lei como forma de regulamentar e incentivar a capoeira no brasil.

A capoeira é inequivocamente um traço cultural indelével de nossa identidade cultural, expressando-se como arte, ofício e alternativa profissional para muitos brasileiros.

A capoeira tem estrutura bem diferenciada, conseguindo, a um só tempo, manifestar-se como luta, jogo e dança, além de configurar um eficiente sistema de autodefesa genuinamente brasileiro.

O folclorista Francisco Pereira da Silva assevera que :

“Nenhum fato relacionado com a cultura popular brasileira terá suscitado tanto e tão prolongado debate quanto a capoeira. Sua procedência, a origem do nome, as implicações na ordem social determinaram discussões que até tempos recentes incitaram os espíritos. Etimologistas, antropólogos, folcloristas, historiadores, têm participado na pugne literária com os seus pareceres, testemunhos ou palpites. Enquanto isso, ia a polícia ‘contribuindo’ com o argumento velho do chanfalho e pata de cavalaria...”

A ilustre Deputada Alice Portugal, em seu Projeto de Lei nº 1.271, que "Acrescenta parágrafo único ao art. 2º da Lei nº 9.696, de 1º de setembro de 1998", tece profundas e pertinentes ponderações sobre a capoeira, razão pela qual pedimos a devida vênia para incluir aqui parte de sua justificação dessa valiosíssima atividade cultural nacional :

“A capoeira já foi motivo de grande controvérsia entre os estudiosos de sua história, sobretudo no que se refere ao período compreendido entre o seu surgimento – supostamente no século XVII, quando ocorreram os primeiros movimentos escravos de fuga e rebeldia – e o século XIX, quando aparecem os primeiros registros confiáveis, com descrições detalhadas sobre sua prática.

Tem ela uma história acidentada, pontilhada de episódios vexatórios e truculentos. Perseguida desde o começo, no caldeirão que misturou as várias etnias que formam o nosso povo, ganhou fama de má prática, coisa de “malandros”, “vadios”. A perseguição durou até a década de 1930, quando, graças principalmente ao trabalho de mestre Bimba – “Grande mestre da capoeira” – e seus discípulos, inaugurou-se a fase de efetiva sistematização do ensino da capoeira e de seu reconhecimento social, assim como o de todas as outras manifestações culturais de matriz africana.

O nome “capoeira” deu-se em função do seguinte : os Escravos ao fugirem para as matas tinham no seu encalço os famigerados Capitães do Mato, enviados pelos senhores. Os escravos em fuga reagiam e os atacavam, nas clareiras de mato ralo, cujo nome é capoeira, com pés, mãos e cabeças, dando-lhes surras ou até mesmo matando-os. Os que sobreviviam voltavam para os seus patrões indignados. Estes perguntavam : “Cadê os negros ? e a resposta era : “Eles nos pegaram na capoeira”. Referindo-se ao local onde foram vencidos.

A capoeira no meio das matas era praticada como luta mortal. Já nas fazendas, era praticada como brinquedo inofensivo, pois ela estava sendo feita sob os olhares dos Senhores de Engenho. Naquele momento se transformou em dança. Para disfarçarem a luta utilizavam a ginga, a base de qualquer “capoeirista” ; e é dela que saem todos os golpes. Esse disfarce foi fundamental para a sobrevivência dos escravos, pois a capoeira é, principalmente, na sua origem, uma luta de resistência.

A capoeira reúne todos estes componentes originais, o que lhe outorga uma excepcional riqueza artística, melódica e dinâmica ; um enorme potencial evolutivo e finalmente, uma gama intensa de aplicações esportivas, coreográficas, terapêuticas, pedagógicas etc., que abrange desde o simples jogo às franjas das artes marciais e da defesa pessoal.”

Pelo exposto, peço aos nobres pares o apoio necessário para a aprovação da matéria.

CARLOS ZARATTINI

Deputado Federal – PT/SP Postado por Presidente da Federação Riograndense de Capoeira, terça-feira, 26 de outubro de 2010 http://fergscapoeira.blogspot.com/2...

 

 

A idéia para o CapoeiraGens surgiu quando comecei a aprender capoeira. Desde que consigo me lembrar, vivia perguntando ao meu mestre sobre o mestre dele, e sobre o mestre do mestre, e o mestre do mestre do mestre... Tentava com isso conseguir entender a continuidade da capoeira - não no sentido de "tradição cristalizada", mas exatamente no de "mudança constante".

Ora, se o capoeirista X aprendeu do capoeirista Y e do capoeirista Z, certamente X terá algo de Y e de Z em si. Ainda que Y e Z pertençam a escolas, linhagens e linhas de pensamento distintas, eu creio que é humanamente impossível a X "desaprender" tudo que um deles ensinou, em detrimento do outro.

Se X foi aluno de Y, e agora é de Z, ele terá a capoeira de ambos correndo na palma de suas mãos, ainda que inconscientemente. O aprendizado corporal acontece num nível mais profundo, inconsciente - é o famoso "andar de bicicleta"...

Mas estou me perdendo em divagações. A idéia de ter o "mapeamento genealógico" da capoeira ficou entranhada na minha cabeça desde sempre, e começou a brotar quando vi, no espaço da FICA/Salvador, um diagrama mostrando os grandes mestres angoleiros do passado e suas descendências.

A pergunta foi imediata : "E se houvesse uma maneira de gerar esse tipo de diagrama automaticamente, baseado em um banco de dados ?" Assim não seria necessário ficar desenhando e redesenhando no papel...

O CapoeiraGens foi implementado então como um programa de computador para uso pessoal, capaz de fazer os tais diagramas. A informação para compor o banco de dados chega através de conversas, livros, emails, domínio público - e o cadastro vai crescendo.

Agora que o banco de dados já tem um certo volume, decidi publicar a informação - para que ela seja útil para o maior número de pessoas possível. Os dados aqui não pretendem estar absolutamente corretos (exatamente pelo fato de serem obtidos por maneiras diversas, que vão da simples conversa até o registro histórico do livro), e serão alterados sempre que se fizer necessário.

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Axé, Teimosia

                                                                                                                 Atualmente a necessidade da manutenção de nossos valores culturais identitários se constitui emergência social. Em tempos de globalização orientada por uma cultura hegemônica, o consumismo e o individualismo vêm se apresentando como únicas alternativas à falta de referências. Conscientes desses fatos, educadores populares em todo o Brasil empenham-se em desenvolver projetos voltados a uma educação pluriétnica, com vistas à afirmação positiva das diferenças e ao fortalecimento da autoestima dos educandos “afro-índio-euro-brasileiros”.

Entretanto, esses educadores carecem muitas vezes de subsídios para o entendimento consciente dos modos de vida na África pré-colonial, da dimensão histórico-social da escravidão, do papel do afrodescendente nas lutas pela liberdade no Brasil e da função emancipadora da cultura brasileira. Em contrapartida, professores universitários tampouco dominam esses conteúdos, e a eles ainda falta o conhecimento empírico tradicional. Esse fato se dá por uma razão : os próprios educadores foram submetidos, ao longo de sua formação, a um ensino que nega e distorce sua história e restringe o seu acesso a fontes mais profundas de pesquisa e conhecimento.

A Capoeira é uma arte com histórico de lutas pela emancipação negra, o que a legitima como uma manifestação cultural libertária por excelência. Atualmente é reconhecida como ferramenta educativa em ambientes formais e não formais.

O trabalho visa caracterizar a capoeira como prática transformadora na formação de educadores democráticos. Nesse sentido, tendo em vista o ensino socialmente comprometido, consciente e historicamente embasado da Capoeira, recorremos aos estudos de Emília Viotti Costa, Paulo Freire, Ricardo Franklin Ferreira e Muniz Sodré, entre outros, para a fundamentação teórica. As observações pessoais específicas à prática docente são baseadas em minha própria experiência de professor-pesquisador de capoeira.

Concluímos que o ensino tradicional da capoeira, aliado a conhecimentos acadêmicos, tem potencializado seu caráter transformador como prática pedagógica e política e se constitui em poderosa ferramenta educativa para a escola brasileira.

O tema aqui apresentado tem sua relevância afirmada ao levarmos em conta a urgência social da manutenção de nossos valores culturais identitários em práticas educativas que contribuam para o desenvolvimento de cidadãos politicamente conscientes e críticos.

Para que essa meta seja alcançada se faz necessário um trabalho de conscientização para os educadores populares e acadêmicos. A capoeira, para milhares de crianças, jovens e adultos no Brasil, é a primeira e, para muitos, a única fonte de contato com a história do negro apresentada de forma positiva. No entanto, sua transmissão muitas vezes não alcança todo seu potencial social, pois a maior parte dos professores tem um conhecimento restrito, difuso e muitas vezes ingênuo e estereotipado da história do negro no Brasil, na África e na diáspora.

A Capoeira é uma arte com histórico de lutas pela emancipação negra, o que a legitima como uma manifestação cultural libertária por excelência. Enquanto prática educativa, é nítida sua relevância quando observada a abrangência nacional que alcança, a inserção em todos os níveis sociais e sua adoção pelas instituições educativas, da Educação Infantil ao Ensino Superior. Metodologia

Um dos marcos teóricos é a teoria do capital, de Bourdieu, aliado a pesquisas sobre o conceito de identidade e o papel da capoeira na construção desta, tanto no campo individual quanto na formação de uma identidade nacional. Objetivos

* Apresentar o fenômeno da capoeira como prática transformadora, contribuindo para o fortalecimento da autoestima do praticante a partir da perspectiva de pertencimento e domínio de uma arte ligada à ancestralidade africana, à identidade nacional e valorizada pela comunidade internacional. * Embasar a prática dos educadores culturais e universitários com conhecimentos acadêmicos atuais, com vistas a torná-la mais eficaz, apta a cumprir com sua função social. * Demonstrar como a Capoeira pode ser uma alternativa de vida para o afrodescendente, política, financeira e culturalmente falando, dotando o praticante de capital cultural, simbólico e econômico.

Teoria do capital

A teoria do capital, de Bourdieu, permite tecer relações analíticas com a capoeira. Conforme o pensamento de Bourdieu, o poder simbólico é

todo o poder que consegue impor significações e impô-las como legítimas. Os símbolos afirmam-se, assim, como os instrumentos por excelência de integração social. Através da distribuição das diversas formas de capital – no caso da cultura, o capital simbólico – os agentes participantes em cada campo são munidos com as capacidades adequadas ao desempenho das funções e à prática das lutas que o atravessam (Bourdieu apud Correia, 2002, p.18).

A capoeira pode proporcionar aos praticantes tanto a consciência política de seu conhecimento (capital cultural), quanto o respeito da sociedade (capital simbólico) e até a possibilidade de mobilidade social (capital econômico).

Capital simbólico – Conforme o praticante se insere no meio da capoeira, uma mudança importante se processa em seu interior ; ele se sente detentor de um capital simbólico. Esse poder se reflete em aumento da autoestima e potencializa o poder transformador desse agente, que geralmente procura passar seus conhecimentos e experiências adiante. “Normalmente, os padrões culturais elaborados e transmitidos socialmente, por intermédio dos processos simbólicos, não só se referem ao indivíduo como também ‘aos demais’, que compartilham da existência de padrões comuns” (Machado, 2004, on line).

Capital cultural – A despeito de ganhar ou não dinheiro, a capoeira retorna em benefício intangível para o indivíduo e sua coletividade. Howell (2004), a respeito de um mestre de capoeira conhecido por ‘Russo’ diz : “Russo, apesar de pobre, é um “intelectual orgânico” respeitado pela coletividade. Já foi à Europa e aos EUA como convidado de honra. Sua formação foi puramente cultural e é um exemplo do potencial sucesso da educação cultural preconizada por Paulo Freire” (p. 21).

É notável como muitos intelectuais brasileiros têm se debruçado sobre a capoeira. Muniz Sodré (2002), discorrendo sobre Mestre Bimba, um dos grandes capoeiristas (ou capoeiras, como também são chamados) do passado, reconhecido post-mortem como doutor honoris causa, afirma : “embora longe do mundo das letras, era uma das figuras mais cultas que já conheci.” E continua, com seu conceito de cultura :

Numerosas culturas tradicionais são basicamente simbólicas, o que equivale a dizer “corporais”, pois partem do corpo para relacionar-se com o mundo. Tal experiência implica uma cultura. De reconhecimento difícil, certo, porque nos habituamos a ver cultura apenas ali onde o conceito e a letra exercem seu mandato de onipotência. Por isso, temos dificuldade em reconhecer a sabedoria do analfabeto ou do pobre, cegos para a evidência de que culto ou sábio (e não erudito letrado) é aquele que produz saber a partir de sua precariedade no mundo (Sodré, 2002, p.68)

Capital econômico – o capoeira tira seu sustento fazendo shows, tocando em bandas, dando aulas, palestras, construindo instrumentos de percussão, escrevendo livros, gravando discos, preparando fisicamente atores de teatro ou cinema. Há uma infinidade de capoeiristas tirando seu sustento da própria arte, no Brasil e no exterior. Vários deles são homens negros sem formação universitária, contudo são respeitados e chamados de ‘mestre’ por alunos de diversas classes sociais, muitos doutores ou mestres em suas respectivas profissões. Pessoas sem instrução acadêmica, discriminadas em sua maioria pela cor da pele e condição social, passam a ser requisitadas para participar de inúmeros eventos, nacionais e internacionais. A construção da identidade

Buscaremos agora analisar como a capoeira atua na identidade individual e nacional. Para fins didáticos, iremos separar a identidade individual da nacional, sem pretender, no entanto, dicotomizar o indivíduo do social. Machado afirma que :

a noção de identidade foi das mais expressivas conquistas conceptuais das ciências. O seu estudo situa-se no domínio interdisciplinar que concerne a Antropologia, Sociologia, Biologia, Psicologia e Psicanálise. Trata-se de formas de representação individual e coletiva, adquirindo sentido primacial em contextos históricos e sociais definidos, especialmente quando se impõe a alteridade articulada com a cultura e a ideologia. Em última instância, a identidade consiste num fenômeno cultural, ideológico e político. Na realidade, inexiste a noção de identidade fora da estrutura sociocultural. A cultura é um dos fatores determinantes que predispõem o indivíduo à aquisição da identidade, seja social, ideológica ou mesmo política (Machado, 2004, on line)

Falaremos aqui de identidade como um processo dinâmico em torno do qual o indivíduo se referencia, constrói a si e a seu mundo. Para a criança negra, é fundamental a noção de pertencimento em um grupo social em que se veja positivamente afirmada. A escola e a educação formal não têm dado conta de suprir esta necessidade, mantendo o status quo e perpetuando a doença psicológica que é o sentimento de inferioridade. Crianças que não se veem representadas positivamente tendem a criar uma identidade baseada em valores estigmatizados, impossibilitando, dessa forma,

alterar situações de discriminação por meio de atitudes afirmativas quanto as especificidades raciais. (…) A identidade da pessoa negra traz do passado a negação da tradição africana, a condição de escravo e o estigma de ser um objeto de uso como instrumento de trabalho. A cor de pele e as características fenotípicas acabam operando como referências que associam de forma inseparável raça e condição social, o que leva ao afrodescendente a introjeção de um julgamento de inferioridade, não somente quanto ao aspecto racial, mas também em relação às condições socioeconômicas, implicando o favorecimento de uma concentração racial de renda, de prestígio social e de poder por parte do grupo dominante (Souza apud Ferreira, 2000, p. 41-42).

A capoeira, no campo da educação, é rica em símbolos e exemplos positivos. Abundam mestres e professores, afrodescendentes ou não, que julgam primordial o enriquecimento da autoestima das crianças negras por meio do contato com sua herança cultural. Este contato pode favorecer uma tomada de consciência e a mudança de postura por parte do educando, transformando-o em protagonista ativo de sua própria história. Identidade individual : pertencimento histórico e pertencimento social

Há na capoeira uma interação, em mesmo nível, de pessoas das mais diversas etnias, nacionalidades, religiões, idades e níveis sociais. Muitas rodas (especialmente as de rua) são encontros ecumênicos, multiétnicos e pluriculturais, de pessoas em busca de integração. Como afirma Sodré (op. cit.) : “No Brasil, a pedagogia oficial ainda não se deu conta inteiramente das possibilidades de aproveitamento educacional desse jogo para a formação de jovens, cada vez mais moldados pela cultura do individualismo e do isolamento” (p. 81). A capoeira dá ao praticante um senso de pertencimento histórico (ligação com o passado) e social (ligação com o presente). Pertencimento histórico

Guerreiros africanos, negros escravizados enfrentando a polícia, maltas no Rio de Janeiro desestabilizando o Império. Perseguidos pela polícia, enviados às prisões e a ilhas distantes no Atlântico, atuantes na Guerra do Paraguai, na Abolição. Famosos como Madame Satã, Mestre Pastinha. As músicas de capoeira remetem constantemente ao passado, fazendo releituras constantes de fatos e personagens.

Iê ! Tava em casa, sem pensá sem imaginá Mandaram me chamá, para ajudar a vencer, A Guerra do ParaguaiQuem quisé tê piedade, vá na grade da cadeia Muito nego na escura, em volta de uma candeia

Dona Isabel que história é esta, de ter feito a Abolição ? De ser princesa boazinha, que libertou a escravidão ? Abolição se fez com sangue, que inundava este país O negro transformou em luta, cansado de ser infeliz Abolição se fez bem antes, ainda por se fazer agora Com a verdade da favela, não com a mentira da escola.

Segundo Assunção (2005), “uma das razões que fascinam os jovens capoeiristas no mundo todo é a imagem de resistência : contra o senhor de engenho, a polícia, o sistema”. (p. 2). Como fruto desta árvore genealógica, o capoeirista sente-se legítimo herdeiro deste legado, que lhe confere a dimensão histórica de sua existência e de seu papel como agente cultural. Pertencimento social

Atualmente, a maioria dos capoeiristas faz parte de algum grupo. A palavra grupo é constantemente enfatizada e muitas vezes acompanhada do pronome “meu” ou “nosso”. A ideia de posse dá ao praticante a ideia de pertencimento social, pois ele compartilha não só treinamentos mas também uma visão de mundo semelhante à de seus “camaradas de grupo” e à dos demais capoeiristas.

Capra (1982) faz uma análise das relações sistêmicas, afirmando que a “concepção sistêmica vê o mundo em termos de relações e de integração” (p. 260). No caso da capoeira, isto não poderia ser mais verdadeiro. A noção do grupo como família pode passar a falsa impressão de que esses núcleos são pequenos e independentes. Na verdade, podemos falar de uma rede de conexões mundial, interdependente e conectada, uma verdadeira capoeira network. Pessoas de diversos estados e países fazem parte desse imenso grupo. Há capoeira em todos os estados brasileiros, em todos os cinco continentes, nos EUA, em quase toda a Europa (incluindo o Leste Europeu), em Israel e até no Japão. Essas centenas de milhares de capoeiristas se encontram pelo mundo em eventos, simpósios, rodas, trocando experiências e fazendo novas conexões.

As trocas culturais proporcionadas pela capoeira, uma arte de origem afro-brasileira, podem ajudar a criança negra a se ver inserida num contexto amplo, em que suas peculiaridades são aceitas e admiradas. Identidade nacional

Segundo Machado (2004), “após o último pós-guerra, a questão da identidade cultural, acrescida do adjetivo “nacional”, transformou-se em bandeira ideológica dos Estados emergentes. Realmente, a problemática da identidade surge como forma reativa a séculos de privação cultural, apropriação econômica e opressão social” (on line). Procuraremos aqui refletir brevemente sobre o papel da capoeira na construção da identidade nacional.

A capoeira foi utilizada pelo Estado Novo e pelo regime de 68 como um dos símbolos da pátria, com o objetivo de criar uma ideologia nacional. Ao mesmo tempo, contudo, o capoeirista se apropriou desse discurso e se transformou no detentor de um saber que, de desprezado e discriminado, passou a único e precioso. A consequência prática mais interessante dessa apropriação é que o capoeira, ao mesmo tempo que foi e ainda é marginalizado por muitos, paradoxalmente simboliza a própria cultura nacional e é por isso valorizado. Desenvolvimento História da capoeira

A origem da capoeira é incerta. A tradição oral apresenta diversas versões, desde uma suposta ligação direta com determinados rituais africanos, como a “dança da zebra” e o “N’golo”, até uma versão romântica, em que o africano teria desenvolvido a capoeira como luta nas senzalas e a disfarçado em dança para evitar a vigilância dos senhores. As modernas pesquisas levam a desmistificar versões simplistas (Assunção, 2005). É provável que a capoeira tenha se originado num processo de vários séculos, como uma síntese espontânea das diversas formas de cultura corporal trazidas até aqui por diversos povos africanos, influenciada também, em menor escala, pelas culturas indígena e europeia.

Durante o Império e a República Velha, a capoeira sofreu dura repressão. Foi criminalizada no Código Penal de 1890 e somente liberada em 1934. Durante 44 anos, praticar capoeira foi crime. Como bem explica Filgueira (2003) : “Devido à sua origem subalterna, a capoeira foi tratada como prática marginal até ser incorporada pelo Estado Novo como um símbolo de identidade nacional. Vargas, em 1954, apresenta a capoeira como ‘o único esporte verdadeiramente nacional’” (on line).

Sabemos que um dos intuitos do Estado Novo era formar uma “nação brasileira”, hermeneuticamente construída, isto é, baseada em símbolos de fácil identificação por parte da sociedade.

Com o passar do tempo, a cultura negra da capoeira se incorporou à sociedade e passou a influenciar a dança, as artes marciais, o esporte, a música e a literatura. Em contrapartida, sofreu influências e absorveu modificações que a descaracterizaram, transmutando-a em bem de consumo, regrada e institucionalizada. Não era mais o malandro a “vadiar” sua brincadeira na rua, entre a cachaça e a prostituta, e sim o atleta numa academia treinando seu esporte.

Não cabe neste estudo se estender a respeito da história, das tradições, dos estilos ou da institucionalização da capoeira, pois muito já foi escrito sobre esses temas. Cabe, porém, ressaltar que nunca o capoeirista foi passivo diante dessas mudanças. Pelo contrário ; independente de sua predileção pessoal, sempre se aproveitou para delas obter os maiores benefícios, sejam eles em termos de capital simbólico ou econômico.

Atualmente a capoeira divide-se em várias correntes. Muitas vezes os membros de uma tendência clamam para si o mérito de “tradicional”, “contemporânea”, “pura”, “inovadora” etc., mas todas partilham a ideia de uma arte baseada na cultura africana e ferramenta de luta contra a opressão, a marginalização e o racismo. Para o educador cultural de capoeira, é vital o entendimento de que sua função social não se restringe ao campo do movimento, é sua obrigação perpetuar o legado da capoeira na luta contra a discriminação.

O primeiro passo, portanto, é a aceitação da alteridade no próprio meio da capoeira, ou seja, enxergar todos os estilos e tendências como facetas complementares, não-excludentes. Como um caleidoscópio em que diversas cores e formas compõem o quadro final, transformando-se ao sabor do movimento.

O segundo passo é promover ações, atitudes e reflexões intencionais que valorizem a cultura negra, sem, no entanto, cair na armadilha de discriminar as contribuições das demais culturas. A escola brasileira

É urgente a necessidade de discutir abertamente o mito da democracia racial brasileira e valorizar a identidade negra no país. Isso é essencial para que haja o aumento da autoestima das crianças afrodescendentes e para que todos, independentemente de sua origem, possam se beneficiar de uma visão de mundo pluralista, que aceite a alteridade como complemento.

Historicamente, e como não podia deixar de ser, a escola vem reproduzindo a ideologia racial vigente no Brasil, ou seja, o mito da democracia racial, a suposta “índole pacífica” do povo brasileiro, a noção de que o preconceito é social e não racial.

A escola é, por excelência, a instância transformadora que, segundo Paulo Freire, tem a obrigação de se posicionar pela mudança : “se a educação não pode tudo, alguma coisa fundamental a educação pode” (Freire, 1996, p. 112). Infelizmente, a escola brasileira tem se furtado a esse dever. Privilegiando um enfoque eurocêntrico, incute, nas crianças negras, um sentimento de inferioridade ; e, nas crianças brancas, um sentimento tão nocivo quanto, o de superioridade, naturalizando assim concepções de identidade doentias.

Somente nos últimos anos, iniciativas, muitas ainda tímidas, vêm sendo postas em prática. A escola pública, cujos alunos são majoritariamente afrodescendentes, deve ter preocupação dobrada por propor uma educação pluralista. Não se trata de mudar o foco de uma visão eurocêntrica para uma afrocentrada, mas sim de abrir o leque para a diversidade. Trata-se de reconhecer uma educação afroincludente. Resultados

A Capoeira, como ferramenta educacional, está perfeitamente sintonizada com o moderno debate da interdisciplinaridade. Ela atua nos campos da Arte, da Música, da Educação Física, da História e se encaixa em muitos dos temas transversais.

O educador deve utilizá-la como meio para, a partir dos cânticos, da dança e da luta, estabelecer um elo entre a criança brasileira e sua ancestralidade africana.

Encarada aqui como prática transformadora, a Capoeira deverá atingir metas maiores que as já propaladas habilidades físicas, artísticas e sociais :

* Crianças desde a pré-escola podem ser educadas a viver na diversidade. Debates, pesquisas e, principalmente, atividades lúdicas são meios de o educador alcançar esse objetivo. * O ensino de História pode partir do próprio corpo do educando. Levando em conta que a criança apreende o mundo através da experiência concreta, a capoeira se revela um meio privilegiado de aprendizagem corporal. Essa nova relação de ensino-aprendizagem é quase inexistente na escola brasileira. * A atividade física lúdica, guiada por reflexão e debate com os alunos, revela-se ferramenta inestimável para o educador. * O jogo da capoeira pode servir como mola-mestra para o jogo dramático. A possibilidade de vivenciar dramaticamente e sentir empatia com os personagens interpretados auxilia enormemente na aprendizagem e na capacidade de reflexão.

Jogo dramático

Pode-se dramatizar situações relacionadas à capoeira como :

* A vida nas diversas sociedades africanas. Um aluno pode ser um griot, ancião responsável pela manutenção da cultura oral, que conta histórias dos antepassados e propõe atividades como danças ou lutas que se assemelhem à capoeira. * Simular a chegada do europeu na África, do ponto de vista tanto dos visitantes quanto dos africanos. * Vivenciar, num espaço apertado e quente adaptado para “navio negreiro”, quanto tempo os alunos conseguem permanecer uns amontoados sobre os outros. Discutir como se sentiram e imaginar como seria se tivessem que fazer uma viagem de semanas dessa forma. * Interpretar uma fuga em massa, a construção de um quilombo, personagens heroicos como Zumbi dos Palmares.

Atividades físicas

Jogos como cabra-cega, esconde-esconde e pique-bandeira podem ser adaptadas ao ensino de História por meio da capoeira. Dezenas de outros jogos podem ser adaptados ou criados, dependendo da faixa etária das crianças, do material disponível e da sensibilidade e da imaginação do educador. O ideal é que as crianças participem do processo de criação dos jogos a partir dos conhecimentos adquiridos nas pesquisas e debates. Caçada noturna (cabra-cega)

Objetivo : Apresentar as habilidades dos caçadores africanos em caçadas noturnas.

Desenvolvimento : Relacionando os conhecimentos prévios das crianças sobre animais típicos do continente africano, cada aluno interpretará um, emitindo seu respectivo som. O caçador, vendado, deve-se guiar pelos demais sentidos para pegar sua presa. O animal que for pego troca de lugar com o caçador. Resgate (Esconde-esconde) :

Um aluno é o capitão-do-mato e os outros são os africanos escravizados. O capitão-do-mato deve procurar os fugitivos, e estes, se descobertos, podem se defender com movimentos de capoeira. Porém, se encostados pelo capitão, são devolvidos à fazenda, devendo lá permanecer até serem resgatados pelos companheiros. Quilombo (½ Pique-bandeira)

Objetivo : Interpretar as lutas dos quilombolas de Palmares contra os bandeirantes.

Desenvolvimento : Separam-se dois times em campos opostos : o dos quilombolas e o dos bandeirantes. No campo dos quilombolas haverá um espaço denominado “Casa de Zumbi”. O objetivo dos bandeirantes é invadir esse espaço ; o dos quilombolas é defender Palmares, capturando os invasores. Sempre que um bandeirante for pego ele deve “pagar uma prenda” escolhida pelo grupo. Caso a “Casa de Zumbi” seja invadida, o jogo acaba e invertem-se as posições.

Considerações finais

O educador cultural deve se posicionar dentro da escola e dos demais ambientes educacionais no sentido de cobrar e promover ações com professores e alunos em que se discutam valores e atitudes visando à reformulação do currículo racista, à mudança de atitudes, ao debate aberto em relação a temas tabus como discriminação e preconceito racial.

A omissão pode ser tão nociva quanto a ação racista, pois se posiciona pela reprodução desta. O educador cultural não deve ser apenas um apêndice dentro da escola, dando sua “aulinha de capoeira” e indo embora. Não pode ser neutro em questões como preconceito, seja de etnia, religião, gênero ou classe social.

Sem fazer da sala de aula um espaço de militância político-partidária ou ideológica, o professor deve utilizar sua profissão em prol de uma prática crítica e transformadora.

Referências

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HOWELL, George. Playing in the street : resistance, violence and identity in the suburbs of Rio de Janeiro. Goldsmith’s College London, 2004.

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